REPÚBLICA DEMOCRÁTICA DE TIMOR-LESTE
REPÚBLICA DEMOCRÁTICA DE TIMOR-LESTE
LEI DO PARLAMENTO
17 /2005
LEI DE AUTORIZAÇÃO LEGISLATIVA EM MATÉRIA DE PROCESSO CIVIL
A presente Lei é o resultado dos trabalhos de elaboração de estudos e articulado relativos ao Projecto do Código de Processo Civil, efectuados por uma comissão composta por técnicos timorenses e internacionais.
Opta-se por utilizar o mecanismo constitucional da autorização legislativa previsto no artigo 96o/1-b) da Constituição da República Democrática de Timor-Leste, em respeito e consonância, portanto, com as normas consagradas na lei fundamental em vigor em Timor-Leste.
A opção por este mecanismo, que a Constituição prevê, potencia uma maior celeridade do processo legislativo, ficando assegurado que o Parlamento se reserva totalmente quanto à sua intervenção no domínio da definição das grandes linhas da política legislativa que devem informar o diploma definitivo, remetendo para o Governo a intervenção e harmonização de aspectos de técnica
jurídica, totalmente subordinados às directivas emanadas do Parlamento Nacional. É observada a divisão de deveres e competências atribuídos aos diversos órgãos constitucionais, no que concerne ao exercício do poder legislativo.
O conteúdo e a extensão que constituem o objecto da presente Lei de Autorização Legislativa garantem o respeito pelos direitos, liberdades e garantias fundamentais do cidadão, no âmbito do Processo Civil. Refira-se que este ramo do Direito reveste uma importância fundamental na estrutura
básica de qualquer sistema jurídico, na medida em que constitui o paradigma processual subsidiário das diversas formas de processos especiais que um concreto ordenamento contemple.
Em consequência, afigura-se-nos oportuno que a aprovação da presente Lei de Autorização Legislativa acompanhe temporalmente, na medida do possível, as propostas relativas ao processo penal
e ao direito penal substantivo. Ademais, afigura-se-nos que imperativos de funcionamento judiciário
apelam a uma célere intervenção em matéria de redacção legislativa no âmbito processual.
Salienta-se, ainda, que a presente de Lei de Autorização Legislativa se revela articulada com o
processo de elaboração legislativa relativo ao projecto do Código Civil e outra legislação
complementar, em vias de preparação.
A aprovação implica que, oportunamente, deixe de ser aplicado o Código de Processo Civil
Indonésio, bem como a harmonização de diplomas legislativos que tenham entrado em vigor após 20
de Maio de 2002, que se revelem com incidência processual civil.
O Parlamento Nacional decreta, ao abrigo do previsto na alínea b) do n.o1 do artigo 96.o da
Constituição da República, para valer como lei, o seguinte:
Artigo 1.o
Objecto
1. É concedida ao Governo autorização para aprovar um Código de Processo Civil e revogar a
legislação vigente sobre essa matéria.
2. A autorização legislativa objecto da presente lei abrange também a alteração ou modificação dos
diplomas legais em vigor e que contenham normas que careçam de ser harmonizadas com os princípios
ou com os preceitos que integram o futuro Código de Processo Civil.
Artigo 2.o
Sentido e extensão
1. O Código a elaborar ao abrigo da presente lei observará os princípios constitucionais e as normas
constantes de instrumentos internacionais a que Timor-Leste se encontra vinculado.
2. A autorização referida no artigo anterior tem o seguinte sentido e extensão:
a) Construção de um sistema processual que permita alcançar, na máxima medida possível e no
mais curto prazo, as finalidades de realização da justiça, do primado da legalidade e do Estado
de Direito, de preservação dos direitos fundamentais das pessoas e da paz social;
b) Simplificação, desburocratização e aceleração da tramitação processual compatíveis com a
realização das finalidades assinaladas;
c) Disciplina dos princípios estruturantes do processo civil (proibição da autodefesa, acesso ao
direito, dispositivo, contraditório e igualdade das partes);
d) Definição rigorosa dos pressupostos processuais relativos às partes (personalidade,
capacidade e legitimidade), do patrocínio judiciário e da competência dos tribunais;
e) Instituição de garantias de imparcialidade mediante a fixação rigorosa de casos de
impedimento do juiz, do Ministério Público e dos funcionários judiciais, previsão de pedido de
escusa por parte do juiz e da oposição de suspeição pelas partes;
f) Regulamentação dos actos processuais em geral, dos actos das partes, dos actos dos
magistrados, e dos actos da secretaria. Definição de regras atinentes à publicidade e acesso ao
processo;
g) Disciplina da matéria relativa à comunicação dos actos;
h) Regulamentação das nulidades dos actos;
i) Disciplina detalhada dos actos de distribuição e regulamentação pormenorizada das citações
e notificações;
j) Regulamentação da instância com reafirmação do princípio do dispositivo e da estabilidade
da instância. Consagração de possibilidades de modificações subjectivas e objectivas.
Tipificação das causas de suspensão da instância, dos factos que determinam a interrupção da
instância, das causas de extinção da instância e de absolvição da instância; Tipificação e
regulamentação de cada um dos incidentes da instância;
k) Regulamentação dos procedimentos cautelares, prevendo-se a par de um procedimento
cautelar comum sete procedimentos cautelares especificados (restituição provisória da posse,
suspensão de deliberações sociais, alimentos provisórios, arbitramento de reparação provisória,
arresto, embargo de obra nova e arrolamento);
l) Previsão de duas formas de processo declarativo (processo comum e processos especiais).
Enumeração e disciplina detalhada dos articulados (petição inicial susceptível de ser indeferida
liminarmente ou objecto de um despacho de convite ao aperfeiçoamento; contestação sujeita a
ónus de impugnação especificada e possibilidade de reconvenção). Disciplina da revelia do réu
e seus efeitos cominatórios; consagração da defesa por impugnação e defesa por excepção
(excepções dilatórias e peremptórias). Admissibilidade de um terceiro articulado (resposta)
limitado aos casos em que for deduzida alguma excepção, tiver sido deduzida reconvenção ou a
acção for de simples apreciação negativa;
m) Consagração de uma fase de saneamento e instrução, com possibilidade de uma tentativa de
conciliação. Regulamentação do despacho saneador e da organização da especificação e
questionário com possibilidade de remissão para os articulados e admissão de dispensa de
especificação e questionário em acções não contestadas ou de pequena complexidade.
Disciplina da instrução do processo com indicação de provas e regulamentação da produção
antecipada de prova e do envio de cartas precatórias ou rogatórias;
n) Regulamentação da audiência de discussão e julgamento com intervenção de tribunal singular
e com intervenção de tribunal colectivo;
o) Disciplina da sentença, seu conteúdo, limites da condenação, vícios e reforma da sentença e
efeitos da sentença;
p) Regulação dos recursos, com previsão de recursos ordinários (apelação e agravo) e de
recursos extraordinários (revisão e uniformização de jurisprudência). Configuração da apelação
como recurso que compete da sentença final e do despacho saneador que decidem do mérito da
causa, cabendo agravo das decisões de que não pode apelar-se;
q) Sistematização de toda a matéria respeitante à prova: princípios (livre apreciação da prova,
audiência contraditória, cooperação para a descoberta da verdade); ónus da prova; presunções;
meios de prova (prova por confissão, prova testemunhal, prova documental, acareação,
inspecção judicial, prova pericial);
r) Consagração de um título respeitante à matéria de custas, multas e indemnização por
litigância de má fé;
s) Regulamentação detalhada do processo de execução unificado numa forma única de processo
comum, com uma fase introdutória, oposição, penhora, concurso de credores, e pagamento,
prevendo-se a possibilidade do pagamento em prestações da dívida exequenda;
t) Instituição e regulamentação pormenorizada de oito processos especiais: interdições e
inabilitações; reforma de autos, documentos e livros; prestação de caução; divórcio e separação
de pessoas; prestação de alimentos; revisão de sentenças estrangeiras; inventário; acção de
indemnização contra magistrados;
u) Previsão de disposições finais e transitórias.
Artigo 3.o
Legislação complementar e conexa
1. A autorização concedida por esta lei abrange, ainda, a redacção de um diploma legal que regule os
procedimentos e a articulação entre as autoridades administrativas e os tribunais na execução de actos
processuais, nomeadamente notificações, citações e ordens de comparência.
2. Enquanto não existir uma cobertura total do território de Timor-Leste, pelos serviços postais, no que
concerne à entrega pessoal ao destinatário da correspondência, poder-se-á consagrar um regime de
cooperação entre os administradores, de distrito e de sub-distrito, e os tribunais, no âmbito da
comunicação dos actos processuais.
Artigo 4.o
Duração
A autorização concedida por esta lei tem a duração de 120 dias, contados da entrada em vigor da
mesma.
Artigo 5.o
Entrada em vigor
O presente diploma entra em vigor no dia imediato ao da sua publicação.
Aprovado em 26 de Julho de 2005
O Presidente do Parlamento Nacional
Francisco Guterres Lu-Ólo
Promulgada em 3 de Setembro de 2005
Publique-se.
O Presidenete da República,
Kay Rala Xanana Gusmão