REPÚBLICA DEMOCRÁTICA DE TIMOR-LESTE

REPÚBLICA DEMOCRÁTICA DE TIMOR-LESTE

LEI DO PARLAMENTO

6/2008

Regime jurídico do financiamento dos partidos políticos



A vivência político-partidária é recente e tem sido grandemente dificultada pelo facto de Timor-Leste emergir dos escombros de uma ocupação militar brutal, que deixou sequelas cuja di-mensão e profundidade estão ainda por compreender.



A ausência de uma cultura democrática, as marcas da violência e o fraccionamento social dificultam sobremaneira a institucio-nalização da vida partidária. Tudo é mais agravado pela penúria financeira em que se encontram os partidos políticos, tornando quase impossível garantir que a institucionalização seja uma realidade e a vida democrática no interior dos partidos possa ter lugar.



Os partidos têm sobrevivido com limitações e constran-gimentos, fundamentalmente à custa das contribuições dos seus membros, que reflectem a realidade que se vive no país.



Impõe-se, pois, que o Estado, no cumprimento da Constituição da República, ajude a criar as condições mínimas para o funcio-namento regular dos partidos políticos que já mostraram à boca das urnas que detêm alguma representatividade popular, numa altura em que o país dispõe de alguma capacidade finan-ceira que anteriormente não detinha.



O Parlamento Nacional decreta, nos termos da alínea i) do n.o 2 do artigo 95.o da Constituição da República, para valer como lei, o seguinte:



Capítulo I

Financiamento dos partidos políticos



Artigo 1.º

Âmbito



A presente lei define o regime jurídico do financiamento e apre-sentação das contas dos partidos políticos com representação parlamentar.



Artigo 2.º

Princípios gerais



O financiamento dos partidos políticos e das campanhas elei-torais rege-se pelos seguintes princípios gerais:



a) Legalidade;



b) Transparência quanto à origem e aplicação dos financiamen-tos;



c) Apresentação, fiscalização e publicidade das contas.



Artigo 3.º

Organização contabilística



1. Os partidos políticos devem possuir contabilidade organi-zada, de modo a que seja possível conhecer a sua situação financeira e verificar o cumprimentro das obrigações previstas na lei.



2. A organização contabilística dos partidos políticos deve obedecer às regras gerais de contabilidade e conter especialmente:



a) O inventário anual do património do partido quanto a bens imóveis e móveis sujeitos a registo;



b) A discriminação das receitas por categoria;



c) A discriminação das despesas com base nas seguintes categorias:

i. Despesas com pessoal;



ii. Despesas com aquisição de bens e serviços;



iii. Encargos financeiros com empréstimos;



iv. Outras despesas com as actividades do partido político.



d) A discriminação das operações de capital referentes a:



i. Investimentos;



ii. Devedores e credores.



Artigo 4.º

Receitas



1. As receitas dos partidos políticos compreendem receitas próprias, receitas provenientes de financiamento privado e subvenções públicas, nos termos previstos no presente diploma.



2. São receitas próprias:



a) As quotas e outras contribuições dos membros de partido político;



b) As verbas resultantes de actividades de angariação de fundos desenvolvidas por partido político;



c) Os rendimentos provenientes do património de partido político;



d) As verbas resultantes de empréstimos contraídos em instituições de crédito instaladas no país.



3. São receitas de financiamento privado:



a) As contribuições das pessoas singulares nacionais;



b) O produto de heranças ou legados.



4. São subvenções públicas as dotações orçamentais destina-das a comparticipar no financiamento dos partidos políticos com representação parlamentar, nos termos da presente lei.



5. É proibida a obtenção de receitas não previstas nos núme-ros anteriores e são expressamente proibidas as contri-buições de pessoas colectivas nacionais e de pessoas sin-gulares ou colectivas estrangeiras.



Artigo 5.º

Quotas e outras contribuições dos membros de partido político



1. As quotas e outras contribuições dos membros de partido político são tituladas por recibo, cujo original é entregue ao contribuinte, ficando o duplicado arquivado nos registos contabilísticos do partido político.



2. Se o partido político possuir conta bancária específica para o depósito do pagamento das quotas e de outras contri-buições, estas podem também ser pagas por transferência ou depósito bancário e não carecem de qualquer outro ti-tulo para além do extracto da conta ou do talão de depósito.



Artigo 6.º

Verbas resultantes de angariação de fundos



As verbas resultantes de actividades de angariação de fundos por partido político são discriminadas com referência ao tipo de actividade, local e data ou período de realização.



Artigo 7.º

Rendimentos do património do partido político



Os rendimentos provenientes do património do partido político são titulados por documento comprovativo do valor e origem do mesmo.



Artigo 8.º

Empréstimos



As verbas resultantes de empréstimos contraídos em instituições de crédito instaladas no país são comprovadas por documento emitido pela respectiva instituição.



Artigo 9.º

Contribuições de pessoas singulares nacionais



As contribuições de pessoas singulares nacionais são obrigatoriamente tituladas por cheque bancário quando superiores ao montante de $ 1 000 USD (mil dólares americanos), devendo as demais contribuições constar de documento escrito assinado pelo contribuinte e pelo funcionário do partido político que recebe a contribuição, com a indicação do seu montante.



Artigo 10.º

Produto de herança ou legado



O produto de herança ou legado é titulado por documento comprovativo do valor e origem do mesmo.



Artigo 11.º

Subvenção pública



1. O Parlamento Nacional fixa anualmente o montante global da subvenção pública destinada aos partidos políticos com representação parlamentar, que é inscrita no Orçamento Geral do Estado como rubrica específica a incluir no orçamento da Comissão Nacional de Eleições, doravante designada por CNE.



2. Do valor global da subvenção 50% é dividido igualmente por todos os partidos políticos com representação parla-mentar, sendo os restantes 50% pagos em função da repre-sentação proporcional dos partidos políticos.



Artigo 12º

Despesas



O pagamento de quaisquer despesas de partido político é efec-tuado mediante documento que permita conhecer qual o mon-tante e a entidade destinatária do pagamento.

Artigo 13.º

Apresentação ordinária das contas



1. A apresentação discriminada das contas dos partidos polí-ticos, nos termos do artigo 3.o, é devida ordinariamente até 45 dias antes do fim do ano financeiro, acompanhada do parecer do orgão estatutariamente competente para o efeito.



2. A competência para a apreciação e validação das contas apresentadas pelos partidos políticos é da CNE, que para esse efeito é coadjuvada por auditores próprios ou contra-tados.



Artigo 14.º

Responsabilidade pela apresentação das contas



A responsabilidade pela elaboração e apresentação das contas dos partidos políticos é dos órgãos estatutariamente competentes.



Artigo 15.º

Dever de colaboração



Os partidos políticos devem colaborar com a CNE e com os seus auditores no cumprimento das suas competências de apreciação das contas.



Artigo 16.º

Apreciação das contas



1. A CNE solicita aos seus auditores parecer técnico sobre a legalidade das contas, dentro de cinco dias depois de ter-minado o prazo para a sua apresentação, e manda tornar público, através dos órgãos de comunicação social, o nome dos partidos políticos que não apresentaram as contas devidas.



2. Os auditores da CNE podem solicitar aos partidos políticos todos os elementos necessários à apresentação do parecer previsto no número anterior, que deve conter uma apreciação individualizada das contas apresentadas por cada partido político, até 30 dias depois de o mesmo lhe ter sido solicitado.



3. A CNE, após receber o parecer previsto no n.o 1 e caso exis-tam indícios de irregularidades nas contas, notifica o par-tido político para as apresentar, devidamente regularizadas, no prazo de 10 dias.



4. A CNE aprecia as contas com base no parecer técnico refe-rido nos números anteriores e com base em todos os demais elementos dos autos considerados relevantes.



Artigo 17.º

Decisão final



1. A CNE aprecia as contas apresentadas no prazo de 20 dias a contar do dia em que é recebido o parecer dos seus audi-tores.



2. A apreciação final, além de conter a discriminação indivi-dualizada das contas de cada partido político, deve ainda conter indicação de quais os que não apresentaram contas e ainda dos que, tendo-as apresentado e sido notificados para as regularizar, não o fizeram.



3. A CNE ordena a publicação das contas e da apreciação final sobre as mesmas, imediatamente depois.



4. As contas e a decisão final sobre as mesmas são publicadas gratuitamente no Jornal da República e disponibilizadas no sítio oficial da CNE na Internet.



5. Quando da apreciação da CNE resultar a verificação do in-cumprimento de obrigações previstas no presente diploma puníveis com pena de multa ou prisão, é ordenada a extracção de certidões, que são remetidas ao Procurador-Geral da República para serem instaurados os competentes processos.



Artigo 18.º

Isenções de taxas, preparos e custas judiciais



1. Os partidos políticos beneficiam de isenções de taxas, pre-paros e custas judiciais.



2. As isenções referidas no número anterior não abrangem as actividades económicas de natureza empresarial.



3. As isenções são suspensas quando o partido político não apresente candidatura à eleição do Parlamento Nacional ou quando não apresente as contas anuais, retomando o benefício com a apresentação das contas anuais ou com a apresentação de candidatura à eleição do Parlamento Nacional.



4. O início da suspensão das isenções produz efeitos a partir do dia da eleição em causa ou do dia seguinte ao da comu-nicação pela CNE dos partidos que não apresentaram con-tas.



Capítulo II

Ilícitos



Artigo 19.º

Tribunal competente



Compete ao juiz distrital com jurisdição na área em que foi cometido o ilícito julgar os ilícitos previstos na presente lei em processo instruído pelo Ministério Público, com recurso para o Supremo Tribunal de Justiça.



Artigo 20.º

Sanções



Os infractores das regras relativas ao financiamento e apresentação das contas dos partidos políticos ficam sujeitos às sanções previstas no presente capítulo, sem prejuizo da responsabilidade civil ou penal a que nos termos gerais de direito haja lugar.







Artigo 21.º

Incumprimento de regras de contabilidade organizada



1. O partido político que não possua contabilidade organizada é punido com pena de multa de $1 500 USD (mil e quinhentos dólares americanos) a $15 000 USD (quinze mil dólares americanos).



2. O partido político que, possuindo contabilidade organizada, não cumpra as formalidades previstas no n.º 2 do artigo 3.º, nos artigos 5.º a 10.º e no artigo 12.º é punido com pena de multa de $1 500 USD (mil e quinhentos dólares americanos) a $5 000 USD (cinco mil dólares americanos).



Artigo 22.º

Não apresentação de contas



O partido político que não apresente contas ou que, tendo sido notificado para proceder à sua regularização, não o fizer no prazo previsto é punido com pena de multa até $ 2 000 USD (dois mil dólares americanos) e perde cumulativamente o direito a futura subvenção do Estado.



Artigo 23.º

Obtenção ilícita de receitas



Os dirigentes dos partidos políticos, as pessoas singulares e os administradores e gerentes de pessoas colectivas que pes-soalmente se envolvam na obtenção de receitas proibidas pela presente lei, para benefício de determinado partido político, são punidos com pena de prisão de 6 meses a 2 anos ou pena de multa de $500 USD (quinhentos dólares americanos) a $5000 USD (cinco mil dólares americanos).



Artigo 24.º

Não cumprimento de outras obrigações



Quem não cumprir qualquer outra obrigação decorrente da presente lei é, na falta de disposição legal aplicável, punido com pena de prisão até 1 ano e multa até $ 500 USD (quinhentos doláres americanos).



Capítulo III

Disposições finais e transitórias



Artigo 25.º

Tribunal competente



Enquanto o Supremo Tribunal de Justiça não iniciar funções as competências que lhe são atribuídas no presente diploma são exercidas pelo Tribunal de Recurso.





Artigo 26.º

Entrada em vigor



A presente lei entra em vigor 30 dias depois da sua publicação no Jornal da República.



Aprovado em 5 de Janeiro de 2008.



O Presidente do Parlamento Nacional em substituição,





Vicente da Silva Guterres





Promulgado em 19 de Março de 2008





Publique-se.





O Presidente da República Interino,





Fernando La Sama de Araújo