REPÚBLICA DEMOCRÁTICA DE TIMOR-LESTE
REPÚBLICA DEMOCRÁTICA DE TIMOR-LESTE
Lei Parlamento
4/2011
Crimes de Açambarcamento e Especulação
Preâmbulo
A criminalização e punição das actividades delituosas contra a economia foi já objecto de regulamentação administrativa, em sede de contra-ordenações, no Decreto-Lei n.º 23/2009 de 5 de Agosto. Com a evolução do cenário económico nacional impõe-se agora actualizar o quadro normativo, introduzindo normas que especificamente combatam a delinquência económica, criminalizando as condutas mais típicas que prejudiquem um desenvolvimento económico harmonioso.
Neste sentido, preconiza-se a penalização das condutas que traduzam abuso do poder económico, domínio do mercado ou eliminação, total ou parcial, da concorrência. São também penalizados os acordos, ajustes ou alianças entre ofertantes, que visem a fixação artificial dos preços dos bens abaixo do preço de custo, manipulação de quantidades vendidas ou com lucros exagerados e induzidos, fora da realidade do mercado.
Trata-se de dar maior eficácia sancionatória à intervenção do Estado na racionalização dos circuitos de distribuição e na formação e controlo de preços, para melhor combater práticas especulativas, evitar práticas comerciais restritivas com reflexos negativos sobre os preços e adequar a sua evolução aos objectivos da política económica e social.
O presente diploma, ao criminalizar o açambarcamento e a especulação, vem estabelecer um regime especial de crimes contra a economia, de natureza pública, não previstos no Código Penal, para a protecção dos mercados e dos consumidores, bens jurídicos merecedores de tutela penal.
Assim, o Parlamento Nacional, nos termos do n.º 1 e da alínea e) do Artigo 95.º da Constituição da República, decreta, para valer como Lei, o seguinte:
Artigo 1.º
Objecto
A presente lei estabelece o regime da responsabilidade penal pelos crimes de açambarcamento e de especulação.
Artigo 2.º
Bens essenciais
1. São bens essenciais, para efeitos da presente lei, os seguintes:
a) Géneros alimentícios básicos;
b) Materiais de construção básicos.
2. Para os efeitos do previsto na alínea a) do número anterior consideram-se géneros alimentícios básicos os seguintes:
a) Arroz;
b) Açúcar;
c) Produtos lácteos;
d) Massas e farinhas alimentícias;
e) Óleos alimentares;
f) Alimentos para crianças até 3 anos de idade.
3. Para os efeitos do previsto na alínea b) do número 1, consideram-se materiais de construção básicos os seguintes:
a) Cimento;
b) Varões de ferro para betão;
c) Zinco para construção;
d) Madeira para construção;
e) Alumínio para construção.
Artigo 3.º
Açambarcamento pelo vendedor
1. Quem, em situação de notória escassez ou com prejuízo do regular abastecimento do mercado de bens, pratique qualquer dos factos seguintes:
a) Ocultar existências ou as armazenar em locais não indicados às autoridades de fiscalização;
b) Recusar a venda segundo os usos normais da respectiva actividade ou condicionar a sua venda à aquisição de outros, do próprio ou de terceiros;
c) Recusar ou retardar a sua entrega quando encomen-dados e aceite o respectivo fornecimento;
d) Encerrar o estabelecimento ou o local de exercício da actividade com o fim de impedir a venda;
e) Não os levantar quando lhe tenham sido consignados e hajam dado entrada em locais de desembarque, descarga, armazenagem ou arrecadação, no prazo de 10 dias, tratando-se de bens sujeitos a racionamento ou distribuição condicionada, ou no prazo legalmente determinado pela entidade competente, tratando-se de quaisquer outros;
é punido com pena de prisão até dois anos ou pena de multa.
2. Se a conduta se referir a bens essenciais a pena é agravada um terço do seu limite.
3. A recusa de venda considera-se justificada nos casos seguintes:
a) Satisfação das necessidades normais do abastecimento doméstico, familiar, do produtor ou comerciante;
b) Satisfação das exigências normais da exploração agrí-cola, comercial ou industrial, durante o período necessário à renovação de existências;
c) Satisfação de compromissos anteriormente assumidos e devidamente comprovados.
4. Havendo negligência, os limites mínimos e máximos da pe-na de multa são reduzidos a metade.
5. Não constitui infracção a recusa de venda:
a) Em quantidade susceptível de prejudicar a justa repartição entre a clientela;
b) Em quantidade manifestamente desproporcionada às necessidades normais de consumo do adquirente ou aos volumes normais das entregas pelo vendedor;
c) Por falta de capacidade do adquirente para, face às características dos bens, assegurar a sua revenda em condições técnicas satisfatórias ou para manter um adequado serviço assistencial pós-venda;
d) Por justificada falta de confiança do vendedor quanto à pontualidade de pagamento pelo adquirente, tratando-se de venda a crédito.
6. A tentativa é punível.
7. O tribunal pode ordenar a perda de bens a favor do Estado, em caso de condenação pela prática do crime de açambarcamento doloso.
Artigo 4.º
Açambarcamento pelo adquirente
Quem, não sendo comerciante profissional, em situação de notória escassez ou com prejuízo do normal abastecimento do mercado, adquirir bens essenciais em quantidade manifestamente desproporcionada às suas necessidades de abastecimento ou da normal renovação das suas reservas, é punido com pena de prisão até um 1 ano ou pena de multa.
Artigo 5.º
Especulação
1. Quem, como forma de promover um aumento artificial dos preços:
a) Vender bens ou prestar serviços por preço superior ao permitido pelo regime legal a que estejam submetidos esses mesmos bens;
b) Vender bens ou prestar serviços por preço superior ao que conste de etiquetas, rótulos, letreiros ou listas elaboradas pelo próprio vendedor ou prestador de serviços;
c) Realizar uma intervenção remunerada ou contratação artificial de um novo intermediário no circuito legal ou normal de distribuição, salvo quando dessa intermediação não resultar qualquer aumento de preço na respectiva fase do circuito;
d) Exigir compensações que não sejam consideradas antecipação do pagamento e que condicionem ou favoreçam a cedência, uso ou disponibilidade de bens essenciais
é punido com pena de prisão até três anos ou pena de multa.
2. Se os factos forem praticados com negligência a pena é de prisão até um ano ou pena de multa.
3. A tentativa é punível.
4. O tribunal pode ordenar a perda de bens a favor do Estado, em caso de condenação pela prática do crime de especulação, ou, não sendo tal possível, a perda de bens equivalentes aos do objecto do crime que se encontrem em poder do infractor.
Artigo 6.º
Preço no consumidor
Para os efeitos da presente lei, no cálculo do preço de venda ao consumidor final é vedado considerar como custos os encargos resultantes da aplicação de eventuais agravamentos por fazendas demoradas, tarifas portuárias ou pelo pagamento de coimas ou multas imputáveis ao vendedor.
Artigo 7.º
Responsabilidade das Pessoas Colectivas
1. Pelos crimes previstos no presente diploma são aplicáveis às pessoas colectivas as seguintes penas principais:
a) Pena de multa;
b) Dissolução judicial.
2. A pena de multa é fixada num mínimo de vinte mil dólares norte-americanos.
Artigo 8.º
Direito subsidiário
Aos crimes previstos na presente lei são subsidiariamente aplicáveis as disposições do Código Penal.
Artigo 9.º
Norma revogatória
São revogados os artigos 16.º, 17.º e 18.º do Decreto-Lei n.º 23/2009, de 5 de Agosto.
Artigo 10.º
Entrada em vigor
A presente lei entra em vigor no dia seguinte ao da sua publicação.
Aprovado em 12 d e Abril de 2011.
O Presidente do Parlamento Nacional em substituição,
Vicente da Silva Guterres
Promulgado em 18 de Maio de 2011.
Publique-se.
O Presidente da República,
José Ramos-horta