REPÚBLICA DEMOCRÁTICA DE TIMOR-LESTE

REPÚBLICA DEMOCRÁTICA DE TIMOR-LESTE

RELATÓRIO

1/CONST/2011/TR

Acórdão dos Juízes do Tribunal de Recurso, Cláudio de Jesus Ximenes, José Luís da Goia e Rui Manuel Barata Penha:



O Senhor Presidente da República vem solicitar ao Tribunal de Recurso, ao abrigo dos artigos 149º e 164º da Constituição da República Democrática de Timor-Leste, a fiscalização prévia da constitucionalidade do Decreto do Parlamento Nacional nº 45/11 que Aprova o Orçamento Geral do Estado da República Democrática de Timor-Leste para 2011.



Fundamenta tal pedido no seguinte:



CRIAÇÃO DE FUNDOS ESPECIAIS



1. O ordenamento jurídico Timorense regula a criação de fundos através do Artigo 145º, n 2 da Constituição da República e do Artigo 32º, nº 1 da Lei nº 13/2009, de 21 de Outubro, que trata de Orçamento e Gestão Financeira.



2. O Artigo 145º, nº 2 da CRDTL dispõe que “A lei do Orçamento deve prever, com base na eficiência e na eficácia, a discriminação das receitas e a discriminação das despesas, bem como evitar a existência de dotações ou fundos secretos.”



3. O Artigo 32º, nº 1 da Lei do Orçamento e Gestão Financeira, por sua vez, dispõe que “O Ministro das Finanças pode, quando autorizado por lei, estabelecer fundos especiais que não fazem parte do fundo consolidado”



4. De uma simples análise do referido dispositivo constitucional e da norma regulamentadora, pode concluir-se que há duas condições para a criação de fundos especiais, quais sejam, (1) a aprovação por lei e (2) a transparência/especificação das despesas que o fundo se destina a cobrir.



(1) Aprovação por Lei



5. Na verdade, da interpretarão da disposição prevista no Artigo 145º, nº 2 da CRDTL, constata-se que a própria Carta Magna permite a criação de fundos através da Lei do Orçamento, na medida em que não permite que a Lei do Orçamento crie fundos secretos: leva a concluir não há vedação se os fundos não forem secretos.



6. Mas esta referência da Carta Magna permite que se levante outra questão: embora o diploma legislativo aprovado pelo Parlamento Nacional, ora submetido à promulgação do Presidente da República, tenha natureza de lei, pode perguntar-se se a criação dos Fundos das Infra-estruturas e do Desenvolvimento do Capital Humano, prevista no Artigo 9º e seguintes do Decreto do Parlamento Nacional nº 45/11, não deveria ter sido objecto de Lei própria.



7. Há boas razões para defender que sim, tendo em conta o princípio constitucional da separação das matérias orçamentais, das outras matérias de direito financeiro, que necessitam de leis-quadro e não da particularidade imediata e rubrica.



(2) Transparência/especificação das despesas a que o fundo se destina a cobrir.



8. Mais além, faz-se necessário o exame quanto à transparência dos Fundos das Infra-estruturas e do Desenvolvimento do Capital Humano previstos no diploma legal aprovado pelo Parlamento Nacional, de modo a se identificar se foram preenchidos os requisitos mínimos em termos de especificação de despesas, conforme exigido no número 2 do Artigo 145º da CRDTL.



9. Tal exigência de especificação das despesas a que o fundo se refere tem a finalidade de controlar a actuação do Governo frente aos poderes que lhe foram conferidos pelo Parlamento Nacional em nível orçamental.

10. Dito isto e analisando os números 2 e 4 do Artigo 9º do diploma aprovado peto Parlamento Nacional, bem como a proposta apresentada pelo Governo como um todo, constata-se que não foram atendidos os requisitos de transparência exigidos pelo Artigo 145º, nº 2 da CRDTL, na medida em que não são identificadas ponto por ponto, de maneira específica, que despesas serão cobertas pelos recursos alocados aos referidos fundos.



11. O número 2 do Artigo 9º do OGE 2011 estabelece apenas e de forma vaga as áreas da administração pública onde poderão ser geradas as despesas, como a área das telecomu-nicações, por exemplo; na alínea h) do referido dispositivo legal dispõe-se inclusive que os recursos destinados ao Fundo das Infra-estruturas destinam-se à aquisição, construções e desenvolvimento de “outras infra-estruturas que promovam o desenvolvimento estratégico”.



12. Em boa verdade, não há em todo o diploma legal aprovado e seus anexos qualquer descrição efectiva das despesas que deveriam ser cobertas pelo Fundo das Infra-estruturas.



13. Ou seja, pode argumentar-se que o Governo recebeu um “cheque em branco” do Parlamento Nacional para usar os recursos destinados ao referido fundo de acordo com a sua conveniência, em violação do disposto no Artigo 95º, nº 2, al. q) da Constituição da República, que confere ao Parlamento Nacional o poder de legislar sobre o Regime Orçamental, e no Artigo 115º, al. d) da Carta Magna, que confere ao Governo a competência para executar o orç-amento nos termos aprovados pelo Parlamento Nacional.



14. A mesma argumentação é aplicável ao número 4 do Artigo 9º do diploma orçamental que dispõe que o Fundo de Desenvolvimento do Capital Humano se destina ao financiamento de programas e projectos de formação dos Recursos Humanos, sem discriminar que programas e projectos, mas apenas dando como exemplo “programas destinados a aumentar a formação dos profissionais timorenses em sectores estratégicos de desenvolvimento tais como a justiça, saúde, educação, infra-estruturas, agricultura, turismo, gestão petrolífera e gestão financeira, entre outros...”



15. Não há também neste caso qualquer especificação da forma como serão gastos os recursos destinados ao fundo, o que conduz a uma total falta de controlo e transparência sobre a actividade executiva do Governo.



16. E apreciando situação muito semelhante sobre a constitu-cionalidade dos Artigos 1º e 2º da Lei nº 12/2008, de 5 de Agosto, que aprovou a alteração à Lei nº 10/2007, de 31 de Dezembro, que estabelecia o Orçamento Geral do Estado para 2008, criando-se o Fundo de Estabilização Económica, o Tribunal de Recurso firmou o seguinte entendimento:



“...sendo o Orçamento aprovado por lei do Parlamento Nacional, sem a especificação das despesa, faz com que o Governo, que é quem tem competência para o executar, possa alterá-lo como lhe aprouver. A este respeito ensina Teixeira Ribeiro in Lições de Finanças Públicas: Ora, ao aprovar o Orçamento, a Assembleia fixou o montante não só das despesas total como das despesas de cada capítulo e de cada função e sub-função. Daí que, em princípio, seja vedado ao Governo transferir verbas de capítulo para capítulo e de função ou sub-função para sub-função, bem como cobrir créditos, que se traduzam em aumento da despesa total do Orçamento ou da despesa de qualquer capítulo e de qualquer função ou sub-função”



Por sua vez, Sousa Franco, in Estudos Sobre a Constituição Financeira de 1976-1982, n. 510, diz que: O orçamento pode ser alterado, desde que seja respeitada a forma inicial: iniciativa legislativa do Governo (devido à sua competência exclusiva e indelegável neste domínio) e alteração por lei de revisão.



Deste modo, uma vez aprovado o Orçamento o Governo fica vinculado pelos próprios níveis inferiores de especificação daquele documento, no que concerne às classificações orgânica, capítulos e funcional.”



17. Mais adiante, conclui o Tribunal de Recurso sobre a ausência de discriminação das despesas contidas no Fundo de Estabilização Económica, então aprovado pelo Parlamento Nacional:



“... ao conferir ao Governo a alocação em causa, o Parlamento Nacional conferiu-lhe um “cheque em branco” no valor de duzentos e quarenta milhões de dólares norte-americanos, deixando ao executivo um poder discricionário numa área extensa relativa ao Orçamento das despesas.



Trata-se, pois, de um poder que o Governo não pode ter e que o Parlamento Nacional não pode conferir ao Governo.



... a discriminação das despesas exigida pela Constituição tem ...como fundamento a veracidade, a exactidão, a transparência, o rigor, a liberdade e a precisão da autorização política e da correspondente vinculação administrativa.”



18. Acresce que para além da ausência de discriminação ade-quada das despesas a serem cobertas pelos respectivos fundos, o número 6 do Artigo 9º do diploma legal em comen-tário estabelece que “Os Conselhos de Administração são competentes para proceder às alterações das dotações atribuídas aos programas, dentro dos limites da dotação orçamental autorizada pelo Parlamento Nacional e respei-tadas as respectivas finalidades”, violando, deste modo, a divisão de competências constitucionais estabelecida nos Artigos 95º, n. 2, al. q) e 115º, al. d) da Carta Magna.



19. Outro não foi o entendimento do Tribunal de Recurso no caso anteriormente mencionado:



“O Parlamento Nacional não pode autorizar o Governo a alterar o Orçamento. Este princípio constitucional da repartição de competências orçamentais entre o Parlamento e o Governo traduz-se necessariamente em conferir ao Parlamento a competência para decidir das opções politicamente significativas em matéria orçamental: volume das receitas e despesas globais, opções em matéria de despesas, distribuindo, de acordo com determinados critérios políticos, as dotações de cada rubrica. O Parlamento não pode delegar no Governo a sua competência nesses pontos como não pode renunciar ao exercício dessa competência, deixando ao Governo poderes mais ou menos discricionários.”



20. Por fim, vale a pena observar o parecer elaborado pela Comissão de Economia, Finanças e Anti-Corrupção do Parlamento Nacional (Comissão C) a respeito da criação dos Fundos Especiais ora em análise.



21. De acordo com o disposto no documento acima referido “A proposta dos fundos constantes dos Anexos 2B e 2C não vem discriminada, em relação às receitas e às despesas, como exige o número 2 do art. 145º da Constituição. Também não foram apresentadas ao Parlamento estimativas dos rendimentos e despesas dos fundos especiais para este ano financeiro de 2011, como determina o número 6 do art. 32º da Lei n o 13/2009”.



22. Ainda de acordo com o mesmo documento, no tocante às recomendações da Comissão C ao Parlamento Nacional, esta aduz “O Parlamento não deve aprovar os fundos sem antes receber do Governo as informações que o possam habilitar a tomar uma decisão devidamente fundamentada. A aprovação deve ficar dependente do compromisso legalmente estabelecido em que os fundos apresentados ao Parlamento nos documentos do OGE serão efectivamente executados conforme previsto a menos que o Parlamento aprove a afectação dos fundos”.



23. Por conseguinte, teremos de concluir que as orientações normativas criticadas no OGE 2011 ferem os preceitos constitucionais que foram sucessivamente convocados à crítica.



TRANSFERÊNCIA DE MONTANTES DO FUNDO PETROLÍFERO PARA O OGE QUE EXCEDAM O RENDIMENTO SUSTENTÁVEL ESTIMADO



24. A proposta de Lei ora em análise elucida em seu preâmbulo de forma resumida as dotações orçamentais do OGE para o ano fiscal de 2011, aprovadas pelo Parlamento Nacional.



25. Da breve leitura da parte final do documento acima referido, bem como da análise dos anexos constantes do mesmo, verifica-se que o valor correspondente ao défice fiscal do OGE 2011 corresponde a $ 1,196 mil milhões de dólares, sendo $ 1,055 mil milhões de dólares a serem financiados a partir do Fundo Petrolífero.



25. O relatório elaborado pela empresa Delloite ToucheTomatsu determina a estimativa do rendimento sustentável do Fundo do Petróleo para o ano de 2011 no montante de $ 734 milhões de dólares.



26. De acordo com o disposto no Artigo 4º da proposta aprovada pelo Parlamento Nacional verifica-se que o Governo tenciona financiar o OGE 2011 no montante de $1,055 mil milhões de dólares através do Fundo do Petróleo sendo a transferência do montante de $ 734 milhões de dólares americanos, correspondente ao valor estimado do rendimento sustentável do Fundo do Petróleo, efectuada após o cumprimento do disposto no Artigo 8º da Lei nº 9/2005, de 3 de Agosto (Lei do Fundo Petrolífero) e a transferência do montante de $ 321 milhões de dólares americanos, valor que excede o rendimento sustentável, a ser efectuada após o cumprimento do disposto nas alíneas “a”, “b” e “c” do Artigo 9º da Lei anteriormente citada.



28. A Lei do Fundo do Petróleo estabelece critérios rigorosos para as transferências a partir do Fundo do Petróleo tanto com relação ao montante compreendido dentro da estimativa de rendimentos sustentável, quanto com relação ao montante que excede este parâmetro (Amigos 8º e 9º respectivamente).



29. O Artigo 9º acima mencionado dispõe:



“Artigo 9º



Transferências Excedendo o Rendimento Sustentável Estimado

Não será efectuada nenhuma transferência do Fundo Petrolífero que exceda o Rendimento Sustentável Estimado para cada Ano Fiscal sem que o Governo tenha apresentado, ao Parlamento:



a) os relatórios a que se referem as alíneas a) e b) do artigo anterior;



b) um relatório com a estimativa do montante pelo qual o Rendimento Sustentável Estimado de anos fiscais subsequentes ao Ano Fiscal para o qual a transferência é feita será reduzido como resultado da transferência do Fundo Petrolífero de um montante superior ao Rendimento Sustentável Estimado do Ano Fiscal para o qual a transferência é feita;



c) um relatório do Auditor Independente certificando as estimativas da redução do Rendimento Sustentável Estimado a que se refere a alínea b) do presente artigo; e



d) explicação detalhada sobre os motivos que levam a considerar como sendo no interesse de Timor-Leste a longo prazo que se efectue a transferência em montante superior ao Rendimento Sustentável Estimado.”



30. Nos termos do Artigo acima transcrito, verifica-se que, para além da obrigatoriedade da apresentação por parte do Governo ao Parlamento Nacional dos relatórios constantes nas alíneas “a”, “b” e “c”, para que sejam autorizadas transferências que excedam o Rendimento Sustentável Estimado, é imprescindível o cumprimento por parte do Governo do disposto na alínea “d” do referido Artigo, qual seja, a “explicação detalhada sobre os motivos que levam a considerar como sendo no interesse de Timor-Leste a longo prazo que se efectue a transferência em montante superior ao Rendimento Sustentável Estimado”.



31. Nestes termos restam dúvidas quanto à prévia e suficiente explicação do Governo ao Parlamento de acordo com o disposto na alínea “d” do Artigo 9º da Lei do Fundo Petrolífero, uma vez que nos termos do Artigo 4º do diploma ora em análise, o Governo se refere apenas ao cumprimento do disposto nas alíneas “a”, “b” e “c” do Artigo 9º da Lei do Fundo Petrolífero, escusando-se do cumprimento da alínea “d’ do referido Artigo.

32. Esta questão já foi objecto de apreciação pelo Tribunal de Recurso, no acórdão publicado no Jornal da República em 26 de Novembro de 2011, que julgou o pedido de fiscalização abstracta sucessiva da constitucionalidade dos Artigos 1º e 2º da Lei n 12/2008, de 5 de Agosto, que aprovou a alteração à Lei 10/2007, de 31 de Dezembro (Orçamento Geral do Estado para o Ano de 2008), bem como julgou da ilegalidade do mesmo diploma por violação ao processo legislativo; criticou:



“...do Relatório e Parecer da Comissão de Economia e Finanças, junto aos autos, consta que o Governo, aquando da apresen-tação da proposta de lei de alteração ao Orçamento Geral do Estado, não apresentou os requisitos constantes da alínea d) do art. 9 da Lei 9/2005, isto é, a explicação detalhada no interesse de Timor-Leste a longo prazo. Dos autos não consta, também, nem o órgão autor da norma veio juntar a explicação detalhada sobre os motivos que levam a considerar como sendo no interesse de Timor-Leste a longo prazo que se efectue a transferência em montante superior ao Rendimento Sustentável Estimado.”



33. Por outro lado, é a própria jurisprudência do Tribunal de Recurso (Vd. acórdão publicado no Jornal da Republica em 26 de Novembro de 2008) que reconhece ser a Lei do Fundo do Petróleo uma lei de valor reforçado, não podendo por isso falar-se em revogação desta por lei posterior, qual seja a Lei do Orçamento Geral do Estado:



“Em todo caso, estes critérios terão que ter em conta os enunciados linguísticos da própria Constituição. O artigo 139 n.2 não constitui um elemento suficiente para se poder concluir que, no sistema constitucional, a Lei do Fundo Petrolífero, beneficia de um valor reforçado. Com efeito, a previsão de que a constituição de reservas financeiras obrigatórias deverá ser feita nos termos da lei, a constituição contém essa referência em vários outros preceitos.



Deste modo, do enunciado linguístico não decorre que a Lei do Fundo Petrolífero seja fundamento material de validade de qualquer outra lei, ou que beneficia de uma especial capacidade derrogatória ou de protecção face à sua derrogação por lei posterior. Contudo, mesmo sem qualquer indicação específica na letra de Constituição, fazendo uma interpretação teleológica, entendemos que a Lei do Fundo Petrolífero é uma lei “constitucionalmente necessária” no sentido em que a ela cabe definir um quadro legal sobre a utilização dos recursos naturais em virtude da especial função que lhe é atribuída pela Constituição e da importância que representa para o país em termos actuais e futuros.



É certo, também, que a constituição não postula nenhum sistema de autovinculação do Parlamento ao regime jurídico de utilização dos recursos naturais mas, em todo o caso podemos falar de uma autovinculação do Parlamento resultante da própria lei ordinária, autovinculação essa, que teve em vista criar um modelo de garantia relativamente à junta utilização das riquezas naturais.



Com efeito, do texto da Lei do Fundo Petrolífero - artigo 4- resulta clara a ideia de que o Parlamento Nacional consagrou uma autovinculação no que diz respeito às relações entre esta lei e a lei do Orçamento.



Assim sendo, não restam dúvidas que a Lei do Fundo Petrolífero tem a natureza de lei com “valor reforçado”.”



34. Logo, também quanto à Lei do OGE 2011 se verifica o mesmo vício de ilegalidade por violação do processo legislativo.



CONCLUSÕES



A. A criação dos Fundos das Infra-estruturas e do Desenvolvimento do Capital Humano, previstos no Artigo 9º e seguintes do Decreto do Parlamento Nacional nº 45/11, através do OGE 2011, e não por Lei específica, infringe o artigo 145º/2 da Constituição;



B. A criação dos Fundos das Infra-estruturas e do Desenvolvimento do Capital Humano, previstos no Artigo 9º e seguintes do Decreto do Parlamento Nacional nº 45/11, por não identificar de maneira específicas que despesas serão cobertas pelos recursos alocados nos referidos fundos infringe as exigências de transparência na especificação das despesas, pedidas pelo número 2 do artigo 145º da Constituição.



C. A transferência do montante de $ 321 milhões de dólares americanos, valor que excede o rendimento sustentável, sem uma a explicação detalhada sobre os motivos que levam a considerar como sendo no interesse de Timor-Leste a longo prazo que se efectue a transferência, infringe o Artigo 9º da Lei do Fundo Petrolífero, de valor reforçado.



Notificados do requerimento, o Parlamento Nacional e a Senhora Procuradora-Geral da República manifestaram a sua posição sobre o pedido.



O Parlamento Nacional defende a constitucionalidade dos artigos 4º e 9º do Decreto do Parlamento Nacional nº 45/II, alegando o seguinte:



I – Da criação de Fundos Especiais



1. Quanto à criação de fundos especiais, importa, desde logo, distinguir dois planos: o dos princípios e regras gerais em matéria orçamental, acolhidos na Constituição da República e aplicáveis ao orçamento em toda a sua “extensão” e o das regras atinentes à criação desses fundos especiais.



2. O artigo 145.º n.º 2 da Constituição da República corporiza um princípio geral em matéria orçamental, o da discriminação das receitas e das despesas, aplicável a todo o orçamento, em toda a sua extensão e não se dirige em particular aos fundos.



3. Questão diferente é a dos termos e condições em que podem ser estabelecidos fundos, regulada na Lei n.º 13/2009, de 21 de Outubro, sobre Orçamento e Gestão Financeira.



4. A Constituição da República, no seu artigo 95.º n.º 2, alínea q), atribui ao Parlamento Nacional a competência para legislar em matéria de enquadramento orçamental.

5. Ao abrigo da previsão constitucional, o Parlamento Nacional aprovou a referida Lei n.º 13/2009 de 21 de Outubro, que vem estabelecer o quadro normativo aplicável ao Orçamento do Estado.



6. Aquele diploma legal, nos termos do seu artigo 32.º, autoriza a criação, por via de lei, de Fundos Especiais.



7. Assim, como resulta do que atrás se diz, face ao ordenamento jurídico timorense nada obsta à criação de fundos desde que a) sejam aprovados por lei – nos termos do artigo 32.º da Lei n.º 13/2009 de 21 de Outubro e b) observem o princípio constitucional da discriminação acolhido no n.º 2 do artigo 145.º da Constituição da República.



II – Da aprovação por Lei



8. No que toca a esta questão, ou seja, a questão de saber se a criação de fundos especiais deve ser objecto de lei própria, isto é, saber se é necessário um diploma exclusivamente dedicado à criação de um fundo, apenas e só com esse objectivo, não pode haver dúvidas sobre a resposta.



9. Em lado nenhum se prevê a necessidade de uma lei própria para criar fundos, nem tão pouco se encontra em todo o ordenamento jurídico, constitucional ou infra-constitucional, qualquer ponto de apoio normativo que permita sustentar juridicamente essa tese.



10. Na verdade, admiti-lo implicaria admitir também uma compressão das competências constitucionalmente atribuídas ao Parlamento e ao Governo em matéria legislativa, que nada no texto constitucional permite aceitar.



11. Acresce que, não se descortina qual a utilidade de uma tal regra, do ponto de vista dos valores constitucionais a salvaguardar em matéria orçamental.



12. Por outro lado, considerando a natureza eminentemente financeira e orçamental deste tipo de fundos especiais, não se vê porque razão não poderiam ser criados na lei que aprova o Orçamento do Estado.



13. Os fundos que agora se discutem e que correspondem, no plano financeiro, a uma linha nas tabelas (ou anexos) orçamentais, constituem um mero instrumento de gestão financeira pública, não tendo sequer personalidade jurídica.



14. Assim sendo, a lei que aprova o Orçamento Geral do Estado, que abrange a totalidade das receitas e despesas públicas, é não só um lugar possível como a sede natural para a criação deste tipo de fundo, cuja dotação, de resto, se contém também nesse mesmo orçamento.



15. Outrossim, as normas do Decreto do Parlamento Nacional n.º 45/II, relativas ao fundo têm imediata incidência financeira.



16. Não pode, pois, do ponto de vista jurídico – constitucional, censurar-se a inclusão na lei do orçamento das normas que criam e dotam os fundos em apreço, mais a mais inexistindo no nosso ordenamento qualquer norma expressa que proíba a inserção na lei do orçamento de normas não orçamentais.



17. Antes pelo contrário, a própria lei de enquadramento orçamental (Lei n.º 13/2009, de 21 de Outubro) prevê essa possibilidade, ao dizer, no seu artigo 25.º, que a lei do orçamento, para além de conter a a) aprovação das tabelas orçamentais, b) a aprovação da autorização para a transferência do Fundo Petrolífero, c) a aprovação dos fundos cuja gestão fica a cargo do Ministério das Finanças e, d) a aprovação dos fundos a atribuir às autarquias locais, pode ainda incluir e) outros artigos considerados necessários.



18. Por outro lado, da expressão “qualquer instrumento legislativo”, constante do n.º 4 do artigo 32.º da Lei n.º 13/2009, de 21 de Outubro, conclui-se que os fundos deste tipo podem ser criados numa qualquer lei.



19. O artigo 9.º do Decreto do Parlamento Nacional n.º 45/II vem fazer isto mesmo, cria os fundos, definindo as suas finalidades, estabelecendo o órgão responsável pelas respectivas operações e remetendo para regulamentação, por diploma do Governo, das restantes matérias.



20. Desde logo, face à formulação do preceito contido no artigo 9.º, não é possível sustentar a violação do artigo 145.º n.º 2, no que respeita à existência de dotações secretas.



21. Pelo que vem de ser dito, pode mais uma vez afirmar-se que a lei do orçamento do Estado é uma sede própria e adequada, embora não exclusiva, para a criação deste tipo de fundos.



22. Acresce que, não se conhece, nem na constituição nem na doutrina, o princípio da separação das matérias orçamentais das outras matérias de direito financeiro, a que se refere o ponto 7 (sete) do pedido.



23. Não se descortina, portanto, qual o possível alcance do que aí vem dito nem qual a relevância daquela proposição para a discussão que ora nos ocupa.



24. Nem se vislumbra razão para arguir a inconstitucionalidade, muito menos ao abrigo de um alegado “princípio da separação das matérias orçamentais das outra matérias de direito financeiro, que necessitam de leis - quadro e não da particularidade imediata e rubrica”, princípio que não encontra consagração em nenhum preceito constitucional, nem tão pouco ao abrigo do artigo 145.º n.º 2 da Constituição da República.



III – Da transparência/especificação das despesas a que o fundo se destina a cobrir



25. A Lei Fundamental, no seu artigo 145.º n.º 2, estabelece o princípio da discriminação das despesas e receitas em sede orçamental.



26. O nível de desagregação é o que for suficiente para que se conheça em que áreas, finalidades ou tipos de despesa em que será dispendido o Orçamento aprovado pelo Parlamento Nacional.



27. A desagregação das receitas e das despesas não é ilimitada, sendo pautada por critérios de bom senso e razoabilidade, sob pena de o Parlamento se substituir ao Governo no exercício da função executiva, governando através do Governo, e desta forma violando o princípio da separação de poderes.



28. Por seu turno, o artigo 7.º da Lei n.º 13/2009 de 21 de Outubro, estabelece a regra da especificação das receitas e despesas, corolário daquele princípio da discriminação a que deve obedecer o orçamento.



29. Nos termos deste artigo, o Orçamento deve especificar suficientemente as receitas previstas e as despesas nele fixadas.



30. Tratando-se de serviços sem autonomia administrativa e financeira, o artigo 26.º da mesma lei vem concretizar esta regra, dando um critério possível para aferir da suficiência da especificação, permitindo, para usar as palavras do autor do pedido, identificar se, num determinado caso e face à lei, foram ou não preenchidos os requisitos mínimos em termos de especificação das despesas, conforme exigido no n.º 2 do artigo 145.º da Constituição da República.



31. Quanto aos fundos especiais, do tipo dos que agora se discutem, não há na lei regra expressa quanto ao nível de especificação exigível para as respectivas dotações.



32. O critério há-de ser encontrado nos fundamentos doutrinários da regra da especificação - a racionalidade financeira e o controlo político – mas, sobretudo, tratando-se deste tipo de fundos, na razão de ser da norma constitucional relevante, cujo objectivo essencial é evitar a existência de dotações ou fundos secretos.



33. No Decreto do Parlamento Nacional n.º 45/II, que aprova o Orçamento do Estado para 2011, e no que respeita aos fundos aí criados, o nível de especificação é em tudo semelhante ao aplicado às restantes dotações orçamentais, constantes do Anexo II (Dotação Orçamental para 2011) ao Decreto em apreço, nível esse idêntico, pelo menos, ao de todos os Orçamentos de Estado aprovados na presente legislatura.



34. Importa aqui caracterizar, com rigor e objectividade, a realidade jurídica subjacente às questões levantadas no pedido, para assim poder aferir da sua conformidade com a Constituição e a Lei.



35. E, tal como vêm configurados no Decreto do Parlamento Nacional n.º 45/II, o Fundo das Infra-Estruturas e o Fundo de Desenvolvimento do Capital Humano, respeitam os requisitos constitucionais e legais, permitindo igualmente o exercício do controle político parlamentar em sede de execução orçamental.



36. Com efeito, os Fundos de que nos ocupamos são criados i) por lei, em artigo próprio (artigo 9.º do Decreto do Parlamento Nacional n.º 45/II), ao abrigo de uma previsão normativa expressa (o artigo 32.º da Lei n.º 13/2009 de 21 de Outubro), indicando-se ii) os fins para os quais são estabelecidos (artigo 9.º nºs 1, 2 e 4), e ainda iii) a entidade responsável pelas suas operações (artigo 9.º nºs 3 e 5).



37. Assim, do artigo 9.º do Decreto do Parlamento Nacional n.º 45/II constam as regras que, em conformidade com a lei, devem constar no instrumento criador.



38. Obviamente, seria um exercício inútil e redundante reproduzir naquele instrumento todas as restantes normas da Lei n.º 13/2009 de 21 de Outubro, e nomeadamente as do artigo 32.º ou todas as que, pelo seu alcance normativo, sejam aplicáveis a estes fundos.



39. Como é evidente, o conjunto das regras em matéria de finanças públicas, incluindo, naturalmente, as da Lei n.º 13/2009 de 21 de Outubro, aplicar-se-ão, na medida do seu alcance, à gestão dos fundos em causa.



40. No que respeita à especificação, também não podemos concordar com o afirmado nos pontos 10 a 12 do pedido.



41. Na lei do orçamento, e respectivas tabelas anexas, a especificação da despesa, no que respeita à classificação orgânica, desagrega-se em dois níveis, a saber órgãos do Estado/Ministérios e respectivos serviços e, no que respeita à classificação económica, faz-se ao nível do agrupamento de despesas por categoria: salários e vencimentos, bens e serviços, transferências, capital menor e capital de desenvolvimento.



42. No caso dos fundos, o nível de desagregação é em tudo idêntico ao aplicado ao resto do orçamento do Estado: os fundos estão desagregados por programas e subprogramas. Aqui, a classificação orgânica foi substituída por uma classificação funcional, como não podia deixar de ser em virtude da natureza dos fundos, e por agrupamento de despesas por categoria.



43. Na verdade, para aferir do cumprimento dos requisitos de transparência exigidos pelo artigo 145.º n.º 2 da Constituição da República, ou seja, para saber em que medida são ou não identificadas ponto por ponto, de maneira específica, que despesas serão cobertas pelos recursos alocados aos referidos fundos, deve olhar-se não ao nºs 2 e 4 do artigo 9.º mas antes às alíneas d) e e) do artigo 2.º do Decreto do Parlamento Nacional n.º 45/II.



44. Essas disposições aprovam os Anexos IV e V à lei do orçamento, e dela parte integrantes, e onde se encontram discriminadas e especificadas as despesas a serem cobertas pela dotação atribuída aos fundos referidos, com um nível de desagregação idêntico ao das restantes rubricas orçamentais, como acima já ficou dito.



45. Os Anexos referidos no ponto anterior vêm referenciados no pedido como Anexos 2B e 2C , ainda de acordo com a designação constante da proposta apresentada pelo Governo e que veio a ser alterada, em sede de discussão na especialidade, para, respectivamente, Anexo IV e V, em virtude da aprovação da proposta de alteração n.º 28, que se junta em anexo (Anexo 1). O mesmo se aplica ao Anexo II atrás referido no ponto 33, cuja designação original, 2A, veio a ser alterada para II, por via da aprovação daquela proposta de alteração n.º 28.



46. Neste contexto, a afirmação contida no ponto 11 e 14 do pedido, relativamente ao n.º 2 do artigo 9.º do Decreto do Parlamento Nacional n.º 45/II não faz sentido, considerando que, por um lado, o artigo 9.º vigora para além do período orçamental, sendo que as áreas aí referidas são aquelas em que os actuais - os previstos nos Anexos IV e V - e os futuros projectos - a incluir necessariamente em futuros orçamentos – serão financiados a partir dos fundos, e que, por outro lado, o lugar próprio da especificação são as tabelas (os Anexos IV e V).



47. O mesmo é dizer, quaisquer eventuais futuros programas e projectos estratégicos – no âmbito das infra-estruturas ou do desenvolvimento do capital humano – que se pretenda vir a financiar, em próximos anos financeiros, a partir das dotações dos fundos, representando despesa pública terão necessariamente que ser objecto de aprovação parlamentar em sede de orçamentos futuros.



48. É por esta razão que, por exemplo, na área das telecomunicações, não se encontra previsto na correspondente tabela orçamental (Anexo IV) nenhum projecto nessa área que todavia poderá vir a ser incluído num orçamento futuro, sendo financiado pela dotação remanescente ou pela que em tal orçamento o Parlamento venha a decidir atribuir-lhe.



49. E é por isso também que na alínea h) do n.º 2 se inclui “outras infra-estruturas que promovam o desenvolvimento estratégico” e no n.º 4 do mesmo artigo se inclui a expressão “entre outros”.



50. Sendo fundos destinados a vigorar por vários anos, não seria possível antecipar nem desejável pretender fixar, a priori e taxativamente, de forma absolutamente fechada, as áreas e ou projectos que podem vir a verificar-se ser necessárias ao desenvolvimento do País.



51. É que, a regra da especificação aplica-se, só se pode aplicar, às tabelas, ou seja, às dotações em concreto, previstas nas tabelas orçamentais e não ao articulado.



52. No caso vertente, olhando para as tabelas (anexos IV e V), facilmente se verifica que as dotações atribuídas aos projectos efectivamente aprovados, obedecem à regra da especificação, como atrás se referiu.



53. Com efeito, está identificada a categoria da despesas em que se inscreve a dotação e as despesas devidamente desagregadas em títulos e capítulos, em termos análogos ao que sucede na tabela (Anexo) II para os serviços que não dispõem de autonomia administrativa e financeira, de acordo com o previsto no artigo 26.º da Lei n.º 13/2009 de 21 de Outubro.



54. Assim, é de todo em todo inapropriada a transcrição de excertos do Acórdão do Tribunal de Recursos no Proc. 04/2003, publicado no Jornal da República I Série n.º 44, de 26 de Novembro de 2008, que o autor faz nos pontos 16, 17 e 19 do pedido, porque as situações não são semelhantes.



55. A este propósito, note-se ainda que uma única decisão, num único caso, não faz , por si própria, jurisprudência, não tendo ainda havido outras decisões no mesmo sentido em que o Tribunal tenha reiterado um mesmo entendimento para casos análogos.



56. Nem está aqui em causa, de forma alguma, a competência parlamentar atribuída na alínea q) do artigo 95.º da Constituição da República, uma vez que esta se refere, em substância, à aprovação da Lei de Orçamento e Gestão Financeira e não à aprovação anual do orçamento.



57. Nem tão pouco está em causa a repartição de competências constitucionalmente estabelecida nos artigos 95.º n.º 2, alínea 1) e 115.º da Constituição da República.



58. Com efeito, o Parlamento limitou-se a exercer os seus poderes e competência ao decidir opções politicamente significativas em matéria orçamental, como o volume global das despesas e a alocação de verbas a cada rubrica, de acordo com determinados critérios de oportunidade política, não sindicáveis jurisdicionalmente.



59. Como fica demonstrado, não tem qualquer cabimento a afirmação segundo a qual “...o Governo recebeu um cheque em branco do Parlamento Nacional para usar os recursos destinados ao referido fundo de acordo com a sua conveniência...”, uma vez que as dotações estão claramente estabelecidas.



60. No que se refere aos pontos 18 e 19 do pedido, também não tem razão o autor.



61. De facto, como resulta do Decreto parlamentar que aprova o Orçamento do Estado para 2011, e considerando a estrutura dos fundos aí criados, não pode haver transferências de verbas para diferentes categorias de despesa e muito menos para diferentes serviços.



62. Significa isto que, em todas hipóteses, quaisquer transferências que se venham a realizar, nos termos do n.º 6 do artigo 9.º do Decreto n.º 45/II, serão sempre feitas dentro do mesmo Fundo, dentro da mesma categoria de despesa, dentro dos limites da dotação global autorizada, dentro do mesmo âmbito de programas e projectos estratégicos e respeitando sempre, portanto, as finalidades para que foram aprovadas as dotações.



63. Relativamente ao que vem referido no ponto 22 do pedido, importa notar que, em perfeita consonância com o exigido no Relatório da Comissão Parlamentar de Economia e Finanças, o Parlamento quando decidiu, fê-lo plenamente informado, estando nesse momento habilitado a “tomar uma decisão devidamente fundamentada”.



64. Outrossim, o Relatório da Comissão de Economia e Finanças não é senão um, entre vários, dos elementos de informação e análise de que o Parlamento dispõe para apoiar a tomada de decisão.



65. De facto, para decidir, o Parlamento, para lá de toda a informação constante da exposição de motivos, da proposta de lei e tabelas anexas, dispunha ainda de um conjunto de 6 Livros de Apoio, a saber: Livro I – Panorama Orçamental, Livro 2 – Planos de Acção Anual, Livro 3 – Distritos, Livros 4A e 4B – Linhas Orçamentais, Livros 5 – Parceiros de Desenvolvimento e 6 – Fundo das Infra-estruturas e Fundo do Desenvolvimento do Capital Humano, que se juntam em anexo (Anexos 2 a 7, respectivamente).



IV – Transferências de montantes do Fundo Petrolífero para o OGE que excedam o rendimento sustentável estimado



66. Diversamente do que parece sugerir o ponto 27 do pedido, nos termos da Proposta de Lei para o Orçamento Geral do Estado para 2011, apresentada pelo Governo ao Parlamento Nacional - PPL n.º 42/II, que se junta em anexo - o montante a retirar do Fundo Petrolífero, para esse ano, era de $734 milhões de dólares norte-americanos, valor que se situa dentro do limite do Rendimento Sustentável Estimado para esse mesmo ano financeiro, de acordo com o Relatório do Auditor Independente, a sociedade Deloitte Touche Tomatsu (Vd. anexo 8).



67. Por conseguinte, não se verificava, naquele momento, a previsão do artigo 9.º da Lei n.º 9/2005 de 3 de Agosto, Lei do Fundo Petrolífero, não sendo assim exigível a apresen-tação pelo Governo de qualquer dos elementos a que se referem as alíneas a), b), c) e d) daquele preceito legal.



68. A partir desse momento, o Governo fica juridicamente impossibilitado de apresentar ao Parlamento quaisquer propostas de alteração, seja sobre que aspecto for, participando do debate parlamentar apenas e só para justi-ficar a proposta que apresentou e responder a questões e ou pedidos de esclarecimento que os Deputados entendam colocar.



69. Na sequência das propostas de alteração nºs 43, 44, 84, 114, 126 e 127, que se juntam em anexo (Anexo 9), subscritas e apresentadas por iniciativa de vários Deputados a este Parlamento, em sede de discussão na especialidade da PPL n.º 42/II, e que vieram a ser aprovadas, o valor total do Orçamento do Estado para 2011 passou para $1,306 mil milhões de dólares norte-americanos, sendo o montante a retirar do Fundo Petrolífero de $1,055 mil milhões de dólares norte-americanos.



70. Isto implica, naturalmente, uma transferência do Fundo Petrolífero que excede o valor do Rendimento Sustentável Estimado.



71. A Lei do Fundo Petrolífero, como já antes se disse, não prevê os casos em que a iniciativa parta dos Deputados.



72. Porém, a apresentação das referidas propostas representa o exercício de um poder próprio dos Deputados, direito potestativo que lhes assiste, tal como é reconhecido pelas normas regimentais que neste ponto constituem decorrência material das normas constitucionais atinentes ao mandato parlamentar.



73. Ao Governo, pelo contrário, é vedado apresentar quaisquer propostas de alteração a uma iniciativa admitida ao processo legislativo parlamentar. A partir desse momento, só os Deputados o podem fazer.



74. O processo legislativo é o que resulta da aplicação dos preceitos constitucionais e regimentais relevantes e, face a estes, cabe ao Governo apresentar a proposta de orçamento e cabe ao Parlamento Nacional aprovar o orçamento e aprovar as propostas de alteração que sobre a proposta recaiam.



75. Neste quadro, e nas circunstâncias concretas, também não faz sentido incluir no texto legal a obrigatoriedade de um outro órgão – o Governo – apresentar uma explicação detalhada sobre as motivações de propostas que não fez e para além disso depois da decisão tomada.



76. Face à letra da lei, e nestas circunstâncias, que sentido faz exigir ao Governo que tivesse vindo antecipadamente, ou que ainda venha, “explicar detalhadamente os motivos que levam a considerar como sendo no interesse de Timor-Leste a longo prazo que se efectue a transferência em montante superior ao rendimento sustentável estimado”?



77. Já que não foi o Governo que propôs o valor em questão, também não pode pretender-se que o Governo conheça as motivações à iniciativa dos Deputados, corporizada nas propostas de alteração acima referidas.



78. Considerando que esta exigência legal tem em vista justificar, perante o Parlamento o pedido do Governo – pedido que neste caso não existiu – habilitando-o a decidir politicamente informada.



79. Do que se trata aqui, face à lei, é suportar um pedido através daquilo que não pode ser entendido senão como uma justificação de natureza política.



80. É que, o juízo sobre se uma proposta orçamental que implique retirar montantes do Fundo Petrolífero acima do Rendimento Sustentável Estimado, é ou não no interesse de Timor – Leste a longo prazo tem, não pode deixar de ter, um carácter eminentemente de ordem política, subjectivo, e nessa medida não sindicável jurisdicionalmente.



81. Não é este o caso dos elementos de informação referidos nas alíneas a), b) e c) do artigo 9.º da Lei do Fundo Petro-lífero, de carácter objectivo e atinentes a aspectos e variáveis financeiras concretas, que interessa ao Parla-mento e aos Deputados conhecer, mesmo a posteriori.



82. Em relação a estes últimos elementos, de carácter objectivo e avaliáveis também fora do âmbito político estrito, entendeu o Parlamento que devem ser apresentados pelo Governo mesmo depois de ter sido considerada politicamente justificada e formalmente aprovada a retirada de um montante do Fundo Petrolífero excedendo o Rendimento Sustentável Estimado.



83. Face aos factos acima descritos, e ao processo em concreto, no plano jurídico – formal aquela norma da alínea d) do dito artigo 9.º é inaplicável, por não se verificar a sua previsão.



84. Por isso, não faz sentido a afirmação do autor no ponto 32 do pedido, porque, como se atrás se viu, a situação não é sequer semelhante.



85. De qualquer forma, no decurso do debate parlamentar, ao serem discutidas as propostas de alteração com incidência na dotação orçamental global e no valor da verba a transferir do Fundo Petrolífero, tiveram os Deputados proponentes ocasião para as justificar, perante os restantes Deputados, e o Governo oportunidade para sobre elas se pronunciar.



86. Como aconteceu, aliás, com todas as propostas de alteração ao orçamento introduzidas por iniciativa dos Deputados, em sede de debate parlamentar, todas elas apresentadas e justificadas pelos respectivas proponentes e todas elas também longamente debatidas em Plenário do Parlamento Nacional (vd. anexo 10).



87. Tendo aquelas propostas vindo a ser votadas favoravelmente pelo Parlamento, sendo aprovadas por clara maioria, deve entender-se que o levantamento do Fundo Petrolífero, acima do Rendimento Sustentável Estimado, decorrente da aprovação dessas mesmas propostas, foram julgados explicados ou justificados, com suficiente detalhe, os motivos que levam a considerar a transferência em montante superior ao Rendimento Sustentável Estimado como sendo no interesse de Timor-Leste a longo prazo.



88. Pode assim afirmar-se cumprida, na medida do possível, a exigência legal relativa a essa justificação, tanto mais que a própria lei não exige forma específica para tal justificação.



89. Acresce que, sendo a Lei do Fundo Petrolífero isso mesmo, uma lei, nem mais nem menos que uma lei, pode, nos termos gerais, ser objecto de revogação ou derrogação, total ou parcial, na lei do orçamento ou em qualquer outra lei parlamentar.



90. É que, uma questão é o que deveria ou poderia ser, em termos do direito a constituir, outra, muito diferente, aquilo que é, nos termos do direito constituído.



V – Do não valor reforçado da Lei do Fundo Petrolífero



91. É a Constituição que atribui o valor reforçado a certas leis. É apenas e só por força da Constituição que certas leis podem revestir esta natureza.



92. Assim, não lhe sendo atribuído pela Constituição, a Lei do Fundo Petrolífero não tem, nem o pode no quadro constitucional vigente ter, valor reforçado.



93. Reflexo disso mesmo é o facto de esta Lei não carecer de maioria qualificada para a sua aprovação e não ser pressuposto normativo necessário de outras leis.



94. A não ser assim, cair-se-ia no absurdo de exigir, em relação uma lei que fosse aprovada por maioria simples, a necessidade de maioria qualificada para a sua eventual revisão e ou alteração.



95. Tal representaria uma auto vinculação do Parlamento que nenhuma norma constitucional autoriza e que contraria os princípios gerais do Direito, podendo mesmo, até, vir a traduzir-se numa revisão constitucional, fora dos mecanismos para tal previstos na própria Constituição.



96. Acresce que, a Lei do Fundo Petrolífero não pode, em qualquer caso, considerar-se como pressuposto normativo necessário da Lei do Orçamento, pois que não contém qualquer dispositivo que de alguma forma condicione as regras e ou estrutura a que deva obedecer a lei do orçamento.



97. A Lei do Fundo Petrolífero, como aliás acontece também com a Lei Tributária, apenas releva para a Lei do Orçamento do Estado enquanto relativa a uma das várias fontes de receita orçamental, não constituindo parâmetro legal que permita aferir da sua perfeição senão no que respeita ao montante a retirar do Fundo Petrolífero para o financiamento das despesas públicas.



98. Ou seja, como refere o Acórdão do Tribunal de Recurso n.º 4/2003, publicado no Jornal da República, I Série n.º 44, de 26 de Novembro de 2008, reproduzido no pedido, da Constituição não se retira nenhum elemento suficiente para se poder concluir que no sistema constitucional a Lei do Fundo Petrolífero beneficia de um valor reforçado.



99. Como mais se diz no citado Acórdão, do enunciado linguístico não decorre que a lei do Fundo Petrolífero seja fundamento material de validade de qualquer outra lei, ou que beneficie de uma especial capacidade derrogatória ou de protecção face à sua derrogação por lei posterior.



100. E é certo, também, que a Constituição não postula nenhum sistema de auto vinculação do Parlamento ao regime jurídico dos recursos naturais, como, mais adiante se diz no mesmo Acórdão.



101. Nada mais certo.



102. Na verdade, no nosso quadro constitucional, não pode nunca entender-se o artigo 4 da Lei do Fundo Petrolífero como consagrando uma auto vinculação do Parlamento, o que a acontecer, não poderia ser considerado inconstitucional, por representar uma limitação dos poderes e competências do Parlamento sem qualquer apoio no texto constitucional.



103. Pelo que nem aqui se verifica qualquer inconstitucionalidade ou sequer ilegalidade.



104. Também no plano procedimental ou do processo legislativo não se verifica qualquer vício que comprometa a validade do Decreto do Parlamento Nacional n.º 45/II, tendo sido escrupulosamente cumpridas todas as normas constitucionais, legais e regimentais aplicáveis.



Conclusões



A – A criação dos Fundos das Infra-estruturas e do Desenvolvimento do Capital Humano, previstos no artigo 9.º do Decreto do Parlamento Nacional n.º 45/II, que aprova o Orçamento Geral do Estado para 2011, respeita integralmente os requisitos da Lei n.º 13/2009 de 21 de Outubro que exige a sua criação por lei e não por lei específica. Nem viola qualquer preceito constitucional.



B – As dotações atribuídos aos programas e projectos incluídos nos Fundos das Infra-estruturas e do Desenvolvimento do Capital Humano, atrás referidos, cumpre as exigências constitucionais e legais quanto à transparência na especificação das despesas, não violando o n.º 2 do artigo 145.º da Constituição.



C – A transferência a partir do Fundo Petrolífero de $321 milhões de dólares norte-americanos, excedendo o Rendimento Sustentável Estimado, não implica a apresentação, pelo Governo, neste caso concreto, de uma explicação detalhada sobre os motivos que levam a considerar como sendo no interesse de Timor-Leste a longo prazo que se efectue a transferência, por não ter sido o Governo a propor esse montante. Assim, o Decreto do Parlamento Nacional n.º 45/II, designadamente o respectivo artigo 4.º, não violam a Constituição ou a Lei.



D – A Lei do Fundo Petrolífero não é uma lei de valor reforçado porque a Constituição não lhe atribui esse valor, por não ser necessária maioria qualificada para a sua alteração e ainda por não constituir pressuposto normativo necessário de outras leis.



O Ministério Público pronuncia-se pela inconstitucionalidade do diploma em análise, com os seguintes fundamentos:



Especificação



1. O artigo 145.º da Constituição da República Democrática de Timor Leste estabelece no seu número 2 que “a lei do orçamento deve prever, com base na eficiência e na eficácia, a discriminação das receitas e a discriminação das despesas, bem como evitar a existência de dotações ou fundos secretos”.



Esta é uma regra importante em toda a matéria do orçamento, impondo que se faça a discriminação clara das despesas e das receitas, por forma a se garantir transparência e o controlo na gestão dos dinheiros públicos.



As receitas e as despesas públicas devem estar suficientemente individualizadas, impedindo-se a sua apresentação em grandes agregados que não facilitam a apreensão clara das receitas previstas e das despesas que são autorizadas pelo orçamento.



“A regra da especificação diz-nos que no Orçamento se deve especificar ou individualizar suficientemente cada receita e cada despesa.



A regra da especificação encontra o seu fundamento numa necessidade de clareza e nos próprios objectivos da instituição orçamental, que seriam defraudados sem esta exigência” (Sousa Franco, Finanças Públicas e Direito Financeiro, Ed. 4.ª, p. 353).



Em anotação a uma norma da Constituição portuguesa idêntica à norma constitucional em análise, Gomes Canotilho e Vital Moreira escreveram que “o orçamento do Estado propriamente dito deve conter a discriminação das receitas e das despesas respectivas. Isto quer dizer desde logo que o orçamento deve incluir todas as receitas e despesas do Estado, não podendo haver receitas e despesas fora ou à margem do orçamento (princípio da universalidade). Esta é a dimensão horizontal do âmbito orçamental. Mas, além disso, o orçamento deve apresentar as receitas e as despesas globais suficientemente desagregadas, de acordo com determinados critérios. É a dimensão vertical do âmbito orçamental.”



Um pouco mais à frente acrescentaram que é esse princípio é que impede “(…) a existência de dotações ou fundos secretos, o que só é possível se a especificação for suficientemente discriminada (…)”.



A questão é particularmente importante no caso do orçamento das despesas. A resposta há-de resultar, entre outras coisas, da função constitucional do orçamento, que é a de funcionar como plano financeiro do Estado aprovado pela AR, exigindo pois a especificação não só de cada uma das fontes de receita mas também das despesas, suficientemente desagregadas para permitir que decisão da AR e o controlo público sejam eficazes (Constituição da República Portuguesa Anotada, Ed. 4.ª, Vol. I, p. 1109).



São pois os imperativos de transparência e de controlo que exigem a especificação, de forma detalhada (Paulo Trigo Pereira, Economia e Finanças Públicas, da Teoria à Prática, Ed. 2.ª, p. 125), das receitas e das despesas no Orçamento Geral do Estado.



2. Por seu turno a Lei de Orçamento e Gestão Financeira – Lei n.º 13/2009 de 21 de Outubro – estabelece no seu art. 7.º/1 que “o Orçamento do Estado deve especificar suficientemente as receitas nele previstas e as despesas nele fixadas”.



Salta à vista que esta lei considera que a especificação é um princípio fundamental em matéria do orçamento, sublinhando que a especificação deve individualizar suficientemente a despesa pública e bem assim a receita.



Trata-se de uma lei que enquadra todo o regime de preparação e execução do orçamento de Estado, e cremos que não pode haver dúvida de que se trata de uma lei de valor reforçado (Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, Tomo V, p. 360; Cfr. ainda os Profs. Gomes Canotilho e Vital Moreira, CRP, Anotada, ed. 4.ª, Volume II, p. 56, 57, 61, 316), e entendemos por isso que a sua violação gera uma inconstitucionalidade indirecta (Cfr. Jorge Miranda para quem, “na medida em que a força específica da lei decorre das normas constitucionais, a infracção de lei de valor reforçado envolve inconstitucionalidade. Mas trata-se de inconstitucionalidade indirecta – tal como a contradição entre uma lei interna e tratado ou entre regulamento e lei”- Manual, V, p. 357).



3. Olhando de perto o art. 9.º da Decreto que aprovou o Orçamento de Estado para 2011 verificamos que, quer no tocante ao Fundo das Infra-estruturas, quer no que diz respeito ao Fundo de Desenvolvimento Humano não existe uma definição clara das despesas autorizadas.



Relativamente ao Fundo das Infra-Estruturas, o número 2 do art. 9 elenca várias despesas individualizadas, mas permite que o fundo suporte “outras infra-estruturas que promovam o desenvolvimento estratégico”, o que não facilita uma apreensão clara sobre as despesas que hão-de ser pagas pelo fundo.



No que concerne ao Fundo de Desenvolvimento Humano a indefinição das despesas não é menor já que, segundo o número 4 do art. 9.º o enunciado das despesas é meramente exemplificativo, como de resto o próprio Anexo V acaba por confirmar á saciedade quando menciona “outros tipos de formação”.



Importa ainda ter em linha de conta o disposto no número 4 deste art. 9.º, segundo o qual “os conselhos de Administrações são competentes para proceder às alterações das dotações atribuídas aos programas, dentro dos limites da dotação total autorizada pelo Parlamento Nacional e respeitadas as respectivas finalidades”.



Ora tal significa que estes órgãos de administração podem alterar as dotações como bem lhes aprouver, de nada valendo eventuais autorizações específicas do Parlamento em matéria de despesas. E assim se faz tábua rasa do princípio da especificação e das razões que o justificam.



Afigura-se-nos pois que estas normas do Decreto que aprova o orçamento de Estado para 2011 não estão conformes às exigências da especificação.



4. Não podemos deixar de registar que, segundo informações constantes de vários documentos, a proposta do Governo em matéria da dotação desses fundos era de 342,3 Milhões de dólares americanos e surpreendentemente, no Decreto do Parlamento esse montante sobe para 624 milhões.



Afigura-se-nos claro que, sem proposta do Governo, o Parlamento Nacional não pode aumentar, a seu bel-prazer tal montante, já que a iniciativa em matéria de orçamento cabe ao Governo, não podendo o Parlamento invadir a esfera de competência deste, sob pena de violação do princípio da separação dos poderes.



A aprovação desse montante não solicitado pelo Governo viola a Constituição, designadamente o seu art. 115.º/1 d).



Criação de Fundos Especiais pela Lei do Orçamento.



5. Uma outra questão suscitada prende-se com a admissibilidade constitucional da criação de fundos especiais na própria lei do orçamento.



E a questão é tanto mais pertinente quanto é certo que esses Fundos Especiais “(…) se destinam a financiar programas e projectos plurianuais”, segundo o número 1 do artigo 9.º.



Resulta do art. 145.º/2 da Constituição que o orçamento é um documento onde se prevêem receitas e despesas, não prevendo qualquer outra função para este instrumento financeiro, nomeadamente a da criação de associações, fundações ou fundos e respectivos órgãos.



Caso o legislador constituinte quisesse adjudicar-lhe qualquer outra função certamente tê-lo-ia dito e regulamentado claramente.



Da mesma forma que a Constituição não atribuiu ao orçamento a função de definir crimes e respectivas penas, deve ter-se por inadmissível que o este instrumento seja convertido em estatuto ou lei estatutária de qualquer associação ou fundação ou fundo especial.



A Constituição apenas assinalou ao orçamento a função de previsão de receitas e despesas públicas (Cremos que entre nós não seriam possíveis as “boleias orçamentais” de que falava o Prof. Sousa Franco nas suas lições. Cfr. Finanças Públicas e Direito Financeiro, Ed. 4.ª, p. 401), pelo que não cremos que seja constitucionalmente legítimo, aproveitar a lei do orçamento para a criação e apresentação dos Estatutos de quaisquer fundos especiais, regulamentando os seus órgãos, os poderes de tutela e todos os demais pormenores.



6. Por outro lado, seria estranho permitir que uma instituição duradoura pudesse ser criada por uma lei de vigência anual.



“A primeira das regras orçamentais clássicas é a da anualidade, que tem o sentido de o Orçamento ser um acto cuja vigência é anual. A anualidade implica uma dupla exigência: votação anual do Orçamento pelas Assembleias Políticas e execução anual do Orçamento pelo Governo e pela Administração Pública.””De um ponto de vista político, a anualidade encontra a sua base na necessidade de assegurar que o controlo que o Parlamento efectua sobre a gestão dos dinheiros públicos seja feito com uma regularidade e num período de tempo que não permita frustrar os fundamentos da autorização orçamental. De um ponto de vista económico, o ano tem-se revelado um bom período natural para os cálculos económicos, ao menos no domínio da gestão corrente” (Sousa Franco, Finanças Públicas e Direito Financeiro, Ed. 4.ª, p. 347).



Ora, sabe-se que uma das regras tradicionais em matéria do direito orçamental é o da anualidade, pelo que, se se pretende criar uma instituição que perdure por períodos que ultrapassem o período orçamental, o mais indicado é que seja criada por uma lei específica, e não pela lei do orçamento que é anual.



Salvo melhor entendimento, não cremos que faça muito sentido criar, numa lei anual, uma instituição que se pretende duradoira ou plurianual. É que, sendo criada numa lei do orçamento, ela terá que ser recriada nas sucessivas leis do orçamento, sob pena de desaparecer.



7. Por último não cremos que a norma do art. 32.º da Lei do Orçamento e gestão Financeira, ao se referir a “lei” ou “qualquer instrumento legislativo” possa ser interpretada no sentido da lei do Orçamento, já que em todo o seu articulado, quando quis referir-se ao orçamento, fê-lo expressamente sem qualquer circunlóquio. Afigura-se-nos que neste artigo, a palavra «lei» foi utilizada no sentido de lei específica.



Por tudo o que fica dito cremos que a norma constitucional acima mencionada não autoriza que a lei do Orçamento seja utilizada para criar fundos especiais, associações ou fundações.



Transferências do Fundo Petrolífero



8. A última questão suscitada prende-se com a autorização de transferência para o orçamento de Estado para 2011 de montante que excede o rendimento sustentável estimado.



De acordo com as informações juntas, a estimativa do rendimento sustentável do Fundo Petrolífero para 2011 situa-se nos 734 milhões de dólares americanos, prevendo o art. 4.º/2 a possibilidade da transferência “(…) na parte em que exceda o Rendimento Sustentável Estimado, após a entrada em vigor da presente lei”.



A Lei do Fundo Petrolífero – Lei n.º 9/2005 de 3 de Agosto – sob a epígrafe de «transferência excedendo o rendimento sustentável estimado» estipula que:



Não será efectuada nenhuma transferência do Fundo Petrolífero que exceda o Rendimento Sustentável Estimado para cada ano Fiscal sem que o Governo tenha apresentado ao Parlamento:



a) Os relatórios a que se referem as alíneas a) e b) do artigo anterior;



b) Um relatório com a estimativa do montante pelo qual o Rendimento Sustentável Estimado de anos fiscais subsequentes ao ano fiscal para o qual a transferência é feita será reduzido como resultado da transferência do Fundo Petrolífero de um montante superior ao Rendimento Sustentável Estimado do ano Fiscal para o qual a transferência é feita;



c) Um relatório do Auditor independente certificando as estimativas de redução do Rendimento Sustentável Estimado a que se refere a alínea b) do presente artigo; e



d) Explicação detalhada sobre os motivos que levam a considerar como sendo no interesse de Timor-leste a longo prazo que se efectue a transferência em montante superior ao Rendimento Sustentável Estimado.



Ora, a parte do artigo 4.º do Decreto que aprovou o orçamento de Estado para 2011, acima transcrita, não faz qualquer menção quanto ao requisito constante da alínea d) do art. 9.º da Lei do Fundo Petrolífero e nem se mostra que esta norma tenha sido respeitada. A inobservância do requisito previsto nesta alínea constitui uma ilegalidade.



Só que, esta lei, pelas razões judiciosamente apontadas no Acórdão do Tribunal, profusamente citado no requerimento, é uma lei de valor reforçado, cujo incumprimento gera, a nosso ver, uma inconstitucionalidade indirecta.

Por todo o exposto concluímos que:



a) Os fundos deveriam ser criados por lei específica;



b) Há violação do disposto no art. 145.º/2 e 115.º/1 d) da Constituição.



II. Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.



1. Questão prévia:



No seu parecer o Ministério Público vem invocar um outro fundamento de inconstitucionalidade do Decreto sob apreciação, a saber, a inconstitucionalidade da alteração pelos deputados da proposta de orçamento apresentada pelo Governo ao Parlamento Nacional.



Este Tribunal entende que o Procurador-Geral não tem competência para requerer a apreciação preventiva da constitucionalidade dos diplomas enviados ao Presidente da República para promulgação. O artigo 149º da Constituição atribui essa competência exclusivamente ao Presidente da República. O Procurador-Geral da República apenas tem competência para requerer a fiscalização abstracta e somente “com base na desaplicação pelos tribunais em três casos concretos de norma julgada inconstitucional” (artigo 150º, alínea c), da Constituição).



Em princípio, o objecto de análise da constitucionalidade encontra-se delimitado pelo pedido do Presidente da República, importando que o Tribunal conheça apenas das dúvidas por este suscitadas (Gomes Canotilho, in Direito Constitucional, a Teoria da Constituição”, Almedina, Coimbra, 4ª ed., 2000, pág. 996).



Mas o Tribunal tem o poder de conhecer oficiosamente das questões de inconstitucionalidade de que tome conhecimento e, por isso, não deixará, de abordar também a questão levantada no âmbito desse poder, visto que ela se prende com um dos fundamentos de inconstitucionalidade invocados pelo Presidente da República.



2. Temos que apreciar e decidir aqui:



a) Se a criação dos Fundos das Infra-estruturas e do Desenvolvimento do Capital Humano pela Lei do Orçamento para 2011 enviado para promulgação, e não por Lei específica, infringe o artigo 145º, nº 2, da Constituição;



b) Se a criação dos Fundos das Infra-estruturas e do Desenvolvimento do Capital Humano feita pelo diploma enviado à promulgação infringe as exigências de transparência na especificação das despesas, feitas pelo número 2 do artigo 145º da Constituição, por não identificar de maneira específica que despesas serão cobertas pelos recursos alocados a esses fundos;



c) Se o diploma enviado à promulgação sofre de inconstitucionalidade por a transferência do Fundo Petrolífero para o Orçamento do Estado exceder o rendimento sustentável, sem uma explicação dos motivos que levem a considerar tal excesso como sendo no interesse de Timor-Leste a longo prazo; e



d) Se o diploma enviado à promulgação sofre de inconstitucionalidade por o Parlamento ter alterado o valor do orçamento do Estado proposto pelo Governo.





2.1. Se a criação dos Fundos das Infra-estruturas e do Desenvolvimento do Capital Humano pela Lei do Orçamento para 2011 enviado para promulgação, e não por Lei específica, infringe o artigo 145º, nº 2, da Constituição



No requerimento de pedido de controlo preventivo de constitucionalidade o Senhor Presidente da República diz que “de uma simples análise do referido dispositivo constitucional e da norma regulamentadora, pode concluir-se que há duas condições para a criação de fundos especiais, quais sejam, (1) a aprovação por lei e (2) a transparência/especificação das despesas que o fundo se destina a cobrir”.



E pergunta “se a criação dos Fundos das Infra-estruturas e do Desenvolvimento do Capital Humano, prevista no Artigo 9º e seguintes do Decreto do Parlamento Nacional nº 45/11, não deveria ter sido objecto de Lei própria”, “tendo em conta o princípio constitucional da separação das matérias orçamentais, das outras matérias de direito financeiro, que necessitam de leis-quadro”.



O Parlamento Nacional respondeu que “Em lado nenhum se prevê a necessidade de uma lei própria para criar fundos, nem tão pouco se encontra em todo o ordenamento jurídico, constitucional ou infraconstitucional, qualquer ponto de apoio normativo que permita sustentar juridicamente essa tese”. “Os fundos (…) constituem um mero instrumento de gestão financeira pública, não tendo sequer personalidade jurídica”, pelo que “a lei que aprova o Orçamento Geral do Estado, que abrange a totalidade das receitas e despesas públicas, é não só um lugar possível como a sede natural para a criação deste tipo de fundo”.



O Ministério Público pronunciou-se pela impossibilidade da criação dos fundos alegando que “a Constituição apenas assinalou ao orçamento a função de previsão de receitas e despesas públicas, pelo que não cremos que seja constitucionalmente legítimo, aproveitar a lei do orçamento para a criação e apresentação dos Estatutos de quaisquer fundos especiais, regulamentando os seus órgãos, os poderes de tutela e todos os demais pormenores”, acrescentando que “seria estranho permitir que uma instituição duradoura pudesse ser criada por uma lei de vigência anual”.



Dispõe o artigo 32º, nº 1, da Lei do Orçamental e Gestão Financeira (Lei nº 13/2009, de 21 de Outubro), que o Ministro das Finanças pode, quando autorizado por lei, estabelecer fundos especiais que não fazem parte do Fundo Consolidado.



Como resulta do próprio texto do preceito ora referido, e é reconhecido pelo Senhor Presidente da República no seu requerimento, nada obsta a que a aprovação dos fundos especiais se faça por lei. O que é questionado pelo Senhor Presidente da República é que tal aprovação seja feita na Lei do Orçamento Geral do Estado.



Trata-se da questão do “princípio constitucional da separação das matérias orçamentais das outras matérias de direito financeiro”.



Esta questão teve alguma dimensão na doutrina brasileira, que se dividia quanto a saber se a “prévia autorização legislativa” para a criação de fundos autónomos necessitava de lei específica ou podia estar contida em lei genérica ou sectorial, conforme referido por Osvaldo Maldonado Sanches, “Fundos federais: origens, evolução e situação atual na administração federal”, in “Revista de Administração Pública (Rap/Fgv)”, Jul./Ago. 2002, Fundação Getúlio Vargas (Escola Brasileira de Administração Pública), Rio de Janeiro, pág. 13. Por outro lado, refere-se ao problema de legitimidade dos chamados cavaliers budgétaires ou riders (conforme referido no acórdão do Tribunal Constitucional de Portugal de 11-11-1992, nº 358/92, relator António Vitorino, publicado no Diário da República de Portugal Série I-A, de 26-1-1993), ou seja, o Orçamento não será o instrumento constitucionalmente idóneo para o exercício pelo Parlamento Nacional de outras competências.



Nalguns ordenamentos jurídicos esse problema encontra resposta constitucional expressa, que se traduz na delimitação precisa das normas susceptíveis de serem inseridas na lei orçamental (assim, o artigo 110º, nº 4, da Grundgesetz da República Federal da Alemanha) ou na proibição de nesta se inscreverem disposições de certo tipo com certo alcance (assim, o artigo 81º, nº 3, da Constituição italiana).



Outros ordenamentos jurídicos, porém, não têm qualquer preceito expresso similar, pelo que “não é constitucionalmente questionável a inserção na lei do orçamento de normas sem imediata incidência financeira ou normas “não orçamentais”, um procedimento que se compreenderia tanto melhor quanto deve considerar-se superada uma concepção puramente “formal” daquela lei (assim, J. M. Cardoso da Costa, [“Sobre as autorizações legislativas na Lei do Orçamento”], págs. 19 e segs, e A. Lobo Xavier, “Enquadramento orçamental em Portugal: Alguns problemas”, na Revista de Direito e Economia, ano IX, 1983, págs. 242 e segs) (mencionado acórdão do Tribunal Constitucional de Portugal).



Sousa Franco (in “Finanças Públicas e Direito Financeiro”, Almedina, Coimbra, 1995, pág. 336), define Orçamento “em Finanças Públicas, como uma previsão, em regra anual, das despesas a realizar pelo Estado e dos processos de as cobrir, incorporando a autorização concedida à Administração Financeira para cobrar receitas e realizar despesas e limitando os poderes financeiros da Administração em cada ano”. Veja-se o aludido acórdão deste Tribunal de Recurso de 27-10-2008, proferido no âmbito do processo nº 4/2008, relator Ivo Rosa, publicado no Jornal da República nº 44, Série I, de 26-11-2008.

Esta noção levou alguma doutrina a ver a lei do orçamento como uma “lei vinculada (legal e constitucionalmente), um tipo de «legislação não-livre», atenta a impossibilidade de a lei do orçamento revogar leis materiais preexistentes (cf. Jellinek, Gesetz und verordnung, Tubingen, 1887, pág. 203, e Orlando, Principii di Diritto Costituzionale, Firenze, 1913, pág. 165, citados no acórdão do Tribunal Constitucional de Portugal de 11-11-1992,).



Tal concepção, porém, evoluiu de forma que, hoje em dia, predomina o entendimento segundo o qual “a Lei do Orçamento tem o valor de lei especial de programação económico-financeira da actividade do Estado, cuja elaboração e aprovação constitui parte integrante do exercício da função de direcção política do Estado em que directamente participa a instituição parlamentar, na base da qual estão valorações de ordem política, económica e social de relevo que explicam a “força expansiva” do diploma orçamental e a inelutável superação da sua tradicional vocação de mero quadro contabilístico de receitas e despesas totalmente vinculado a execução do ordenamento jurídico preexistente” (citado acórdão do Tribunal Constitucional de Portugal de 11-11-1992, o qual relata de forma pormenorizada a evolução da doutrina sobre esta matéria da natureza e função da Lei do Orçamento).



Daqui se conclui que não se pode hoje falar no aludido princípio, antes sendo recomendável que a lei do orçamento possa abarcar todas as matérias relativas à política financeira e fiscal para o ano a que diz respeito (princípio da plenitude do orçamento). Isto sem prejuízo de existirem casos, como a Itália por exemplo, em que na lei de aprovação do orçamento não se podem estabelecer novos impostos e novas despesas (artigo 81º da Constituição italiana), como já se referiu supra.



A Lei do Orçamento é hoje considerada uma lei material e não meramente formal, nada impedindo em princípio que ela crie novos institutos, altere ou revogue leis materiais existentes. Apenas incorrerá em ilegalidade se a lei alterada ou revogada for uma lei “reforçada” (Gomes Canotilho, “A lei do Orçamento na teoria da lei”, in “Estudos em Homenagem ao Prof. Teixeira Ribeiro”,”Boletim de Faculdade de Direito de Coimbra”, vol. II, 1990, pág. 558). A este propósito veja-se ainda o mencionado acórdão deste Tribunal de Recurso de 27-10-2008.



Sobre a matéria em causa e ainda relativamente à questão da anuidade invocada pelo Ministério Público acrescentam Gomes Canotilho e Vital Moreira (in Constituição da República Portuguesa Anotada”, Coimbra Editora, Coimbra, 4ª ed. Revista, 2007, págs. 1112-1113) “a lei do orçamento pode incluir autorizações legislativas (…). Ora, se pode conter autorizações legislativas, também pode regular directamente as mesmas matérias. (…) Admitindo-se que a lei do orçamento possa conter matérias não orçamentais, então não poderá deixar de se entender que nessas matérias a lei do orçamento tem de ser considerada como uma lei comum, de modo a poder ser alterada nos termos gerais e não ficar sujeita à regra da vigência anual e à exclusividade da iniciativa legislativa governamental, podendo continuar em vigor mesmo depois da substituição do orçamento, salvo indicação em contrário”. Também Jorge Miranda sufraga tal entendimento ao referir “neste contexto, as autorizações em causa revestiam um carácter instrumental ou subordinado decorrente da sua inserção nas leis orçamentais e não careciam de uma indicação expressa quanto ao prazo de utilização”, sendo a admissibilidade de tais autorizações fundada num costume constitucional praeter legem (in “Funções, Órgãos e Actos do Estado”, Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, 1990, pág. 480 e 481). No mesmo Sentido J.M. Cardoso da Costa, “Sobre as Autorizações Legislativas da Lei do Orçamento”, in separata do número especial do Boletim da Faculdade de Direito de Coimbra, “Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor José Joaquim Teixeira Ribeiro”, Coimbra, 1983, pág. 415. Ou seja, o princípio da anualidade do Orçamento só será violado se a uma certa previsão de receita ou de despesa do Orçamento se atribuir uma duração plurianual (acórdão do tribunal Constitucional de Portugal (Plenário) de 31-5-1988, processo nº 108/88, relator Raul Mateus, publicado no Diário da República de Portugal, I Série, nº 145, de 25-6-1988).



No ordenamento jurídico timorense, constitucional ou infraconstitucional, não nada existe que imponha que a criação dos fundos seja feita por lei própria ou que na lei que aprova o orçamento não possa criar fundos.



Assim, se conclui pela possibilidade de criação dos fundos especiais no âmbito da Lei do Orçamento Geral do Estado, o que, aliás, como bem salientado pelo Parlamento Nacional na sua resposta, se pode considerar ter expresso suporte legal no artigo 25º, al. c), da Lei do Orçamento e Gestão Financeira.



Aceitamos que a criação de fundos especiais na lei do orçamento, quando demasiado sintética, pode não permitir fixar com clareza e segurança os contornos dos fundos e sobretudo as suas finalidades específicas, e consequente alocação das verbas transferidas. Mas esta questão é já uma questão de eventual legalidade material, ou falta dela, e não de constitucionalidade formal da criação dos fundos através da lei do orçamento. Quanto a esta matéria, e tendo sempre presente que a este Tribunal de Recurso apenas cabe aqui apreciar a conformidade da norma em causa com a constituição e a lei (tratando-se aqui da Lei de Orçamento e Gestão Financeira), também não se vê qualquer irregularidade no artigo 9º da do Decreto do Parlamento Nacional em análise. Efectivamente, este preenche os requisitos mínimos previstos no artigo 32º, nº 4, Lei de Orçamento e Gestão Financeira, sendo certo que o preceito em causa prevê a regulamentação posterior, conforme permite o nº 1 deste último preceito, relativamente às matérias que se apresentam relevantes e que não foram incluídas no Orçamento Geral do Estado. Ou seja, o próprio Parlamento Nacional resolveu regular de forma mínima a criação dos fundos especiais, deixando ao Governo a tarefa de complementar a regulamentação dos mesmos. O que se pretendeu foi efectivamente criar os fundos e não regulamentá-los exaustivamente. No mesmo sentido, a propósito de questão semelhante, veja-se Fernando Vernalha Guimarães, “A constitucionalidade do sistema de garantias ao parceiro privado previsto pela Lei Geral de Parceria Público-Privada – em especial, da hipótese dos fundos garantidores”, in “Revista Jurídica – Publicação oficial do Centro Universitário Curitiba (UNICURITIBA)”, nº 23, Curitiba, 1981, pág. 40.



Compartilhamos o entendimento do Presidente da República de que a regulamentação completa dos fundos permitiria conhecer de forma clara e inequívoca a efectiva justificação da sua existência e evitar eventuais situações de desorçamentação de verbas avultadas; mas o certo é que, do ponto de vista formal, a solução adoptada não viola a Constituição nem a aludida Lei 15/2009. A jurisdição constitucional tem, em larga medida, como objecto, apreciar a constitucionalidade do “político”, mas não se transforma em “jurisdição política”, pois tem sempre de decidir de acordo com os parâmetros materiais fixados nas normas e princípios da constituição. Consequentemente, só quando existem parâmetros jurídicos-constitucionais para o comportamento político pode o Tribunal apreciar a violação desses parâmetros (Gomes Canotilho, in “Direito constitucional e teoria da Constituição”, Almedina, Coimbra, 4ª ed., 1998, pág. 1264). “A inconstitucionalidade (...) designa o juízo de identificação da incompatibilidade entre a Constituição e o comportamento ativo ou passivo do legislador ou de quem lhe faça as vezes, ou ainda, em alguns casos, do administrador e mesmo do magistrado” (André Ramos Tavares, in “Tratado da argüição de preceito fundamental, Lei n. 9.868/99 e Lei n. 9.882/99”, Saraiva, São Paulo, 2001, pág. 175).

Em suma, a criação dos Fundos das Infra-estruturas e do Desenvolvimento do Capital Humano pela Lei do Orçamento para 2011, e não por Lei específica, não infringe o artigo 145º, nº 2, da Constituição.



2.2 Se a criação dos Fundos das Infra-estruturas e do Desenvolvimento do Capital Humano feita pelo diploma enviado à promulgação infringe as exigências de transparência na especificação das despesas, feitas pelo número 2 do artigo 145º da Constituição, por não identificar de maneira específica que despesas serão cobertas pelos recursos alocados a esses fundos



Diz o Senhor Presidente da República que, “analisando os números 2 e 4 do Artigo 9º do diploma aprovado peto Parlamento Nacional, bem como a proposta apresentada pelo Governo como um todo, constata-se que não foram atendidos os requisitos de transparência exigidos pelo Artigo 145º, nº 2 da CRDTL, na medida em que não são identificadas ponto por ponto, de maneira específica, que despesas serão cobertas pelos recursos alocados aos referidos fundos”.



Por seu lado sustenta o Ministério Público que: “Olhando de perto o artigo 9.º da Decreto que aprovou o Orçamento de Estado para 2011 verificamos que, quer no tocante ao Fundo das Infra-estruturas, quer no que diz respeito ao Fundo de Desenvolvimento Humano não existe uma definição clara das despesas autorizadas”.



Na sua resposta, o Parlamento Nacional opõe que: “A desagregação das receitas e das despesas não é ilimitada, sendo pautada por critérios de bom senso e razoabilidade, sob pena de o Parlamento se substituir ao Governo no exercício da função executiva, governando através do Governo, e desta forma violando o princípio da separação de poderes”.



Antes de mais temos que esclarecer o seguinte: para defender que na criação dos Fundos das Infra-estruturas e do Desenvolvimento do Capital Humano o artigo 9º e seguintes do diploma enviado para promulgação infringe as exigências de transparência na especificação das despesas, pedidas pelo número 2 do artigo 145º da Constituição, por não identificar de maneira específica que despesas serão cobertas pelos recursos alocados nos referidos fundos, o Senhor Presidente da República citou excertos do acórdão do Tribunal de Recurso de 27.10.2008 relatado pelo juiz Ivo Rosa no processo n. 04/2008. Porém, o acórdão citado referia-se a uma dotação do orçamento e não a fundos do género dos de Infra-estruturas e de Desenvolvimento do Capital Humano aqui em discussão. No acórdão deste Tribunal de Recurso de 14-8-2008 do processo nº 3/2008, de que era relator Cláudio Ximenes, tinha sido já decidido que o ali designado “Fundo de Estabilização Económica” não era um fundo autónomo mas uma dotação do Orçamento do Estado. No acórdão relatado pelo juiz Ivo Rosa o Tribunal de Recurso falava da falta de descriminação de uma dotação orçamental, problema que no caso presente não existe, nem foi levantado, por as dotações orçamentais estarem correctamente discriminadas; pelo contrário, o Senhor Presidente questiona no seu requerimento a falta de discriminação ou especificação de despesas que os fundos de Infra-estruturas e de Desenvolvimento do Capital Humano iriam cobrir e não a falta de discriminação ou especificação de dotações do orçamento do Estado. Portanto, o entendimento adoptado pelo Tribunal de Recurso no acórdão relatado juiz Ivo Rosa não se pode aplicar, sem mais, ao caso presente, porque estamos perante uma realidade jurídica diferente daquela que foi abordada nesse acórdão.



Feito o esclarecimento passemos à questão de fundo.



Através do orçamento o Estado procura realizar a satisfação das necessidades coletivas através de investimentos capazes de garantir infra-estruturas adequadas e recursos humanos necessários para o desenvolvimento social e económico do país. Este objectivo só se consegue alcançar plenamente atra-vés de planos plurianuais e progamas de desenvolvimento a longo prazo. Daí a necessidade de estabelecer programas espe-ciais, de caráter global e permanente, para a execução de metas, nas quais os recursos, uma vez programados, não podem sofrer restrições ou perdas a ponto de comprometer todo o projecto.



Fundos Especiais são “produtos de receitas especificadas que, por lei, se vinculam à realização de determinados objetivos ou serviços, facultados a adoção de normas peculiares de aplicação” (artigo 71º , da Lei Federal (Brasileira) nº 4.320/64, de 17-3-1964). Os Fundos Especiais constituem os recursos públicos, desvinculados ou não do Orçamento, para satisfação destes projectos autónomos, no enquadramento de investimento em função específica dos mesmos, como programação especial. “Os Fundos Especiais são mecanismos de que a entidade governamental se utiliza para aplicar eficientemente os seus recursos e com isso efetivar a sua participação no desenvolvimento e no crescimento socioeconômico” (Heraldo da Costa Reis, in “Fundos Especiais: uma nova forma de gestão de recursos públicos”, IBAM, Rio de Janeiro, 1993, pág. 16). Ou seja, o fundo especial está associado à identificação de acções tidas como relevantes no contexto da administração pública. “A regularidade dos fluxos de recursos financeiros direcionados a alguns segmentos do gasto público pode ser considerada positiva à medida que proteja determinadas políticas setoriais, cujos resultados dependam da sustentação financeira no longo prazo, das decisões políticas de curto prazo. Além disso, contribui para a obtenção de maior eficiência no gasto público ao proteger investimentos em curso, de perdas decorrentes da interrupção de fluxos financeiros necessários à conclusão de programas e geração de resultados” (Mauro Santos Silva, “Vinculações de receitas não financeiras da União”, in “VIII Congresso Internacional del CLAD sobre la reforma del Estado y de la Administración Pública”, Panamá, 2003, pág. 2).



Este problema tem sido sentido a nível global, como nos dá nota José Reis (“Estado, Instituições e Economia: a despesa pública em Portugal”, in “Revista Crítica de Ciências Sociais”, n º 44, Coimbra, 1995, pág. 25), “o Estado cada vez menos exerce directamente a despesa e cada vez mais a transfere para outras entidades, públicas ou privadas, mas predominantemente públicas, embora com características diferentes das dele próprio. É por isto, aliás, que se torna cada vez mais difícil definir o que é o Estado, mesmo enquanto aparelho. Mesmo deixando de lado a questão importante da “desorçamentação”, o Estado revela-se como uma entidade que “transborda” para fora de si mesma, através de entidades que recebem transferências e as gerem de modo próprio”. E precisamente os Fundos Autónomos são o grande instrumento do Estado para a realização de investimentos.



O problema que se coloca, como já se deixou entendido, é o da desorçamentação, problema que é levantado pelo Senhor Presidente no seu requerimento.



Efectivamente, o princípio da unidade orçamental impõe a discriminação no Orçamento das receitas e despesas do Estado, de todas as receitas e todas as despesas (Sousa Franco, “A revisão da constituição económica”, in “Revista da Ordem dos Advogados de Portugal”, ano 42º, Setembro-Dezembro, 1982, Lisboa, pág. 622). Sobre esta questão pronunciou-se já exaustivamente este Tribunal no sempre presente acórdão de 27-10-2008.



Argumenta o Senhor Presidente da República que “o número 2 do Artigo 9º do OGE 2011 estabelece apenas e de forma vaga as áreas da administração pública onde poderão ser geradas as despesas”, não havendo “qualquer descrição efectiva das despesas que deveriam ser cobertas pelo Fundo das Infra-estruturas”, o mesmo acontecendo com o Fundo de Desenvolvimento do Capital Humano.



Quanto às finalidades concretas do fundo, independentemente da regulamentação que venha a ser feita, não se afigura que as mesmas tenham que ser mais concretizadas no Decreto em análise. A questão colocada da descrição das despesas não implica necessariamente que as finalidades concretas do fundo coincidam com estas.



Já relativamente à discriminação das despesas, as medidas de diminuição, ou eliminação da desorçamentação resultante da alocação de despesas aos fundos autónomos, colocando os fundos e serviços autónomos sob a órbita do Orçamento estadual, é preocupação crescente da doutrina internacional, da qual se dá conta no referido acórdão de 27-10-2008.



Mas é igualmente evidente a dificuldade de orçamentação rigorosa das despesas, com discriminação exaustiva dos diversos itens, uma vez que se trata de despesas resultantes de situações ainda não completamente delimitadas e previsíveis, além de se tratar de planos que ultrapassam o orçamento anual.



Como bem salienta o Parlamento Nacional, importa encontrar um equilíbrio mediante “critérios de bom senso e razoabilidade”.



É precisamente por isso que são criados os fundos, em vez de se inscrever as aludidas despesas no orçamento dos respectivos ministérios (questão igualmente bem suscitada pelo Parlamento Nacional). “A diferença essencial relativamente aos serviços que dispõem apenas de autonomia administrativa, é que os serviços e fundos autónomos escolhem as suas aplicações e recursos” (José Manuel Pereira de Araújo, in “A Implementação do Plano Oficial de Contabilidade Pública e dos Planos Sectoriais dos Serviços Autónomos da Administração Central: Estudo e Análise”, Universidade do Minho, Braga, 2005, pág. 14).



Não entendemos que o Governo tenha recebido um “cheque em branco” com o Decreto enviado para promulgação nem que este tenha criado um fundo secreto que o Governo possa gerir a seu belo prazer, sem qualquer controlo.



O Parlamento fixou um limite máximo de despesas a suportar pelos Fundos, tendo inclusivamente delimitado as despesas por sectores, ou funções.



Efectivamente nos anexos IV e V do Decreto do Parlamento Nacional ora em análise foi consignada a indicação de previsão de despesas, com a discriminação que se afigura possível.



Embora o artigo 145°, nº 2, da Constituição da RDTL afirme o princípio da discriminação das receitas e despesas do Estado, a verdade é que não se precisa aí o nível de discriminação até onde deve ir forçosamente o Orçamento. Sobre este assunto veja-se o acórdão do Tribunal Constitucional de Portugal (Plenário) de 29-11-1988, processo nº 267/88, relator Raul Mateus, in www.tribunalconstitucional.pt.



São dois os elementos que definem a essência do orçamento: por um lado, o tratar-se de uma previsão, temporalmente definida, de um conjunto de receitas e de despesas; por outro, a autorização para que as primeiras sejam cobradas e as segundas realizadas (Braz Teixeira, Introdução ao Direito Financeiro, pág. 33, citado no referido acórdão do Tribunal Constitucional de Portugal de 29-11-1988). Conforme salienta Guilherme d’Oliveira Martins (in “Finanças Públicas, vol. V, Fundação Minerva, Lisboa, 2007/2008, pág. 18) “no caso dos serviços e fundos autónomos, a especificação também deverá ser assegurada segundo as respectivas particularidades”.



Ou seja, “o fundo especial não constitui uma entidade jurídica ou órgão orçamentário mas sim, um tipo especial de gestão financeira dos recursos vinculados à realização de determinados objetivos por determinação legal, e cujos atos de execução de receitas e despesas devem ser particularizados no sistema de Contabilidade do órgão a que se vincula” (Osvaldo Maldonado Sanches, “Fundos federais: origens, evolução e situação atual na administração federal”, in “Revista de Administração Pública (Rap/Fgv)”, Jul./Ago. 2002, Fundação Getúlio Vargas (Escola Brasileira de Administração Pública), Rio de Janeiro, pág. 13).



Não é lógico nem racional que se pretenda exigir que em Timor-Leste se faça uma discriminação ou especificação de despesas dos fundos autónomos de nível superior àquele que normalmente se exige em outros países desenvolvidos, que têm mecanismos e meios de previsão e orçamentação que o nosso país ainda não tem.



Por outro lado, nos termos do n. 3, do citado artigo 145º da Constituição e dos artigos 42º a 45º da Lei do Orçamento e Gestão Financeira, a execução do orçamento do Estado, incluindo a dos fundos é fiscalizada pelo Tribunal Superior Administrativo Fiscal e de Contas e pelo Parlamento.



A fiscalização pelo Tribunal da execução do orçamento e dos fundos pelo Governo deve ser feita também com base nos critérios eficácia e eficiência referidos no n. 2 do artigo 145º.



Argumenta ainda o Senhor Presidente da República que: “… para além da ausência de discriminação adequada das despesas a serem cobertas pelos respectivos fundos, o número 6 do Artigo 9º do diploma legal em comentário estabelece que “Os Conselhos de Administração são competentes para proceder às alterações das dotações atribuídas aos programas, dentro dos limites da dotação orçamental autorizada pelo Parlamento Nacional e respeitadas as respectivas finalidades”, violando, deste modo, a divisão de competências constitucionais estabelecida nos Artigos 95º, n. 2, al. q) e 115º, al. d) da Carta Magna”.



O Ministério Público acompanha o Senhor Presidente da República nesse entendimento.



O Parlamento Nacional diz na sua resposta que, “em todas hipóteses, quaisquer transferências que se venham a realizar, nos termos do n.º 6 do artigo 9.º do Decreto n.º 45/II, serão sempre feitas dentro do mesmo Fundo, dentro da mesma categoria de despesa, dentro dos limites da dotação global autorizada, dentro do mesmo âmbito de programas e projectos estratégicos e respeitando sempre, portanto, as finalidades para que foram aprovadas as dotações”.



Conforme salienta Teixeira Ribeiro (in “Lições de finanças públicas”, 2ª ed., 1984, Coimbra Editora, Coimbra, pág. 97), “ao aprovar o Orçamento, a Assembleia fixou o montante máximo não só da despesa total como da despesa de cada capítulo e de cada função e sub-função. Daí que, em princípio, seja vedado ao Governo transferir verbas de capítulo para capítulo e de função para função ou de sub-função para sub-função”. Ora, daqui resulta que as restantes transferências são permitidas.



A própria Lei do Orçamento e Gestão Financeira permite transferências de verbas, dentro dos condicionalismos fixados no artigo 38º, nomeadamente até 20% da dotação orçamental relativamente ao orçamento dos serviços ( nº 1), e na categoria de capital de desenvolvimento dentro da mesma categoria orçamental.



Ou seja, para lá desse grau de especificação das receitas e despesas, já o Governo poderá fazer alterações, alterações que, obviamente, não poderão nunca implicar com o quantum total das despesas especificadas, porque, nesse caso, a competência pertencerá já, em exclusivo, ao Parlamento. Veja-se Guilherme d’Oliveira Martins, ob. cit., pág. 28.



Esta foi a interpretação dada pelo Parlamento Nacional ao referido nº 6 do artigo 9º do Decreto do Parlamento Nacional ora em análise, quando ali se refere “respeitadas as respectivas finalidades”. De todo o modo, o que importa reter é que o aludido preceito não enferma por si de qualquer inconstitucionalidade ou ilegalidade. O que poderá ser ilegal é a eventual futura transferência de verbas em violação do previsto no artigo 38º da Lei do Orçamento e Gestão Financeira.



Sendo assim, conclui-se que a norma em causa não atenta contra a regra da especificação orçamental, e consequentemente não enferma de inconstitucionalidade, directa ou indirecta.



Em suma, não há razão para se concluir que a criação dos Fundos das Infra-estruturas e do Desenvolvimento do Capital Humano infringe as exigências de transparência na especificação das despesas, pedidas pelo número 2 do artigo 145º da Constituição, por não identificar de maneira específicas que despesas serão cobertas pelos recursos alocados nos referidos fundos.



2.3. Se o diploma enviado a promulgação sofre de inconstitucionalidade por o Parlamento ter alterado o valor do orçamento do Estado proposto pelo Governo



Finalmente o Senhor Presidente da República defende que o diploma enviado à publicação viola o artigo 9º da Lei do Fundo Petrolífero, com o argumento de que: “De acordo com o disposto no Artigo 4º da proposta aprovada pelo Parlamento Nacional verifica-se que o Governo tenciona financiar o OGE 2011 no montante de $1,055 mil milhões de dólares através do Fundo do Petróleo sendo a transferência do montante de $ 734 milhões de dólares americanos, correspondente ao valor estimado do rendimento sustentável do Fundo do Petróleo, efectuada após o cumprimento do disposto no Artigo 8º da Lei nº 9/2005, de 3 de Agosto (Lei do Fundo Petrolífero) e a transferência do montante de $ 321 milhões de dólares americanos, valor que excede o rendimento sustentável, a ser efectuada após o cumprimento do disposto nas alíneas “a”, “b” e “c” do Artigo 9º da Lei anteriormente citada”. “O Governo se refere apenas ao cumprimento do disposto nas alíneas “a”, “b” e “c” do Artigo 9º da Lei do Fundo Petrolífero, escusando-se do cumprimento da alínea “d” do referido Artigo”.



O Ministério Público acompanha o Senhor Presidente da República nesse entendimento.



A esta questão respondeu o Parlamento Nacional que a verba final do Orçamento resultou das propostas de alteração subscritas e apresentadas por iniciativa de vários Deputados ao Parlamento durante o debate do OGE, em sede de discussão na especialidade da PPL nº 42/II, e que vieram a ser aprovadas, pelo que o valor total do Orçamento do Estado para 2011 passou para $1,306 mil milhões de dólares norte-americanos, sendo o montante a retirar do Fundo Petrolífero de $1,055 mil milhões de dólares norte-americanos, quando o inicial proposto pelo Governo era de $734 milhões de dólares norte-americanos, valor que se situa dentro do limite do Rendimento Sustentável Estimado.



Sobre esta matéria, como bem salienta o Ministério Público, importa seguir de perto o escrito no acórdão nº 4/2008, de 27-10-2008.



Conforme ali se refere a questão que se coloca neste momento é a de saber qual a relação entre a Lei do Fundo Petrolífero e a Lei do Orçamento, ou seja, se existe uma relação de vinculação entre a segunda em relação à primeira, ou se, pelo contrário, sendo a Lei do Orçamento uma lei ordinária de igual valor formal pode contrariar e prevalecer por ser lei posterior. Efectivamente, consoante já referido supra, a Lei do Orçamento é hoje considerada uma lei material e não meramente formal, nada impedindo, em princípio, que ela altere ou revogue leis materiais existentes.



Porém, como bem se salienta no aludido acórdão, tendo em conta o teor da Lei do Fundo Petrolífero verifica-se que a mesma é geradora de obrigações de natureza financeira impostas ao Estado e vinculativas do Orçamento de Estado, e como lei concretizadora do princípio constitucional relativo à utilização dos Recursos naturais, consagrado no artigo 139 n 2 da Constituição, parece decorrer a possibilidade da sua qualificação como lei ordinária de vinculação específica.



Isto mesmo é, aliás, reconhecido pelo Parlamento Nacional, ao aceitar a vinculação do Governo e dele mesmo ao preceituado na Lei do Fundo Petrolífero. Ou seja, enquanto o próprio Parlamento Nacional não proceder à alteração ou revogação da Lei do Fundo Petrolífero, não pode deixar de considerar vinculado à mesma.



É certo, como sustenta o Parlamento Nacional na sua resposta e se refere no acórdão que aqui se acompanha que a Constituição da RDTL não reconhece a natureza de leis com valor reforçado, mas isso não impede que se reconheça um especial valor vinculativos a certas leis-quadro.



Ou seja, na ausência de uma definição expressa, o valor reforçado das leis (independentemente das consequências jurídicas de tal qualificação meramente doutrinária), com esse valor, há-de decorrer da conjugação de dois critérios essenciais: o da sua proeminência funcional enquanto fundamento material da validade normativa de outros actos e o da sua força formal negativa, enquanto portadora de uma especial protecção face aos efeitos derrogatórios produzidos por lei posterior.



Referindo-se ao tema, Gomes Canotilho (“A Lei do Orçamento na Teoria da Lei”, supra referido, pág. 559) escrevia que “se considerarmos a possibilidade de a lei do orçamento poder conter inovações materiais, parece que o problema não será já o de uma simples aplicação do princípio da legalidade, mas o da relação entre dois actos legislativos equiordenados sob o ponto de vista formal, e em que um é alçado para um plano de superioridade funcional e orgânica. A contrariedade ou desconformidade da lei do orçamento em relação às leis reforçadas, como é a lei de enquadramento do direito financeiro colocar-nos-ia perante um fenómeno de leis ilegais ou, numa diversa perspectiva, de inconstitucionalidade indirecta”.

Não se ignora que a Lei do Orçamento do Estado também é considerada pela doutrina como lei de valor reforçado (veja-se Marcelo Rebelo de Sousa, in “Constituição da República Portuguesa Comentada”, Lex, Lisboa, 2000, pág. 218). Contudo, com a clarificação supra referida, não deixa de se reafirmar o decidido no acórdão de 27-10-2008.



Importa, agora analisar as consequências da falta de cumprimento do disposto na alínea d) do artigo 9º da Lei do Fundo Petrolífero.



Quanto a isto o Parlamento Nacional apresentou documentação demonstrativa de que a ultrapassagem do orçamento da receita a suportar através de transferências do Fundo Petrolífero, excedendo o Rendimento Sustentável Estimado, resultou das propostas de alteração nºs 43, 44, 84, 114, 126 e 127, juntas no anexo 9 à resposta, subscritas e apresentadas por iniciativa de vários Deputados do Parlamento Nacional, em sede de discussão na especialidade.



Sendo assim, não se pode exigir ao Governo que apresente a justificativa prevista a al. d) do artigo 9º da Lei do Fundo Petrolífero.



Efectivamente, a exigência de que o Governo explique detalhadamente os motivos que levam a considerar que sejam de interesse a logo prazo para o país a realização de transferência que exceda o Rendimento Sustentável Estimado refere-se à necessidade de explicar ao próprio Parlamento Nacional, enquanto entidade que a deve autorizar, a necessidade de se proceder a tal transferência. É o Parlamento Nacional e não qualquer outra entidade, o destinatário de tal explicação (a qual aliás não reveste formalismo especial, podendo ser prestada mesmo no decurso do debate da proposta orçamental).

Resultando a ultrapassagem do valor do Rendimento Sustentável Estimado da iniciativa do próprio Parlamento Nacional durante o debate e aprovação do orçamento nacional, conforme muito bem analisado pelo Parlamento na sua resposta, fica desprovida de qualquer sentido a exigência aludida da alínea d) do artigo 9º da Lei do Fundo Petrolífero. Não faria sentido que o Governo tivesse que explicar (ou fundamentar) aos deputados uma decisão tomada por estes.



Conforme igualmente salientado na resposta, o mesmo já não se aplica às restantes exigências formuladas no artigo 9º referido. Efectivamente, trata-se aí de elementos de informação e registo fundamentais para o acompanhamento e análise do impacto da medida no Fundo Petrolífero, que assume particular relevância na gestão financeira e até política do mesmo.

De todo o modo, a ausência da justificação não feriria o Decreto em análise de ilegalidade, apenas impedindo a eventual execução do orçamento, uma vez que a consequência seria a impossibilidade de a transferência a proceder ultrapassar o rendimento sustentável estimado enquanto não se mostrar feita a justificação do excesso.



Em conclusão o diploma enviado a promulgação não sofre de ilegalidade ou inconstitucionalidade indirecta por violação da alínea d) da Lei do Fundo Petrolífero.



2.4. Se o diploma enviado a promulgação sofre de inconstitucionalidade por o Parlamento ter alterado o valor do orçamento do Estado proposto pelo Governo



Resulta dos documentos apresentados e foi reconhecido pelo Parlamento Nacional na sua resposta que o orçamento do Estado inicialmente proposto pelo Governo, de 342,3 milhões de dólares americanos, foi elevado para 624 milhões de dólares americanos em consequência de propostas dos Deputados e deliberação do Parlamento.



Perante isso o Ministério Público sustenta no seu parecer que há violação da Constituição, nomeadamente no seu artigo 115º, com o argumento de que “sem proposta do Governo, o Parlamento Nacional não pode aumentar, a seu bel-prazer tal montante, já que a iniciativa em matéria de orçamento cabe ao Governo, não podendo o Parlamento invadir a esfera de competência deste, sob pena de violação do princípio da separação dos poderes”.



No sentido preconizado pelo Ministério Público parece pronunciar-se o acórdão do Tribunal Constitucional de Portugal de 19-11-1986, nº 317/86, relator Martins da Fonseca, in www.tribunalconstitucional.pt (“Uma tal faculdade legislativa, a existir, equivaleria a abrir a possibili­dade de introduzir desequilíbrios nos poderes do Estado, contra o que justamente postula o princípio de separação e interdependência (…) Não se pretende que a Assembleia da República esteja vinculada à proposta de alteração feita pelo Governo. Pode aceitá-la ou rejeitá-la. Pode aumentar as receitas, como se propõe, ou aumentá-las numa percentagem diferente do que a pretendida. Igualmente poderá não diminuir as despesas, ou diminuir menos do que se pretende. Não pode é proceder a alterações que extravasem o âmbito da proposta”).



Não é este, porém, o entendimento claramente maioritário da doutrina.



Importa aqui recordar a natureza e função da Lei de Orçamento Geral do Estado supra referida para concluir com o referido acórdão do Tribunal Constitucional de Portugal de 11-11-1992, processo nº 358/92, relator António Vitorino, publicado no Diário da República de Portugal Série I-A, de 26-1-1993, que: “O critério da natureza e da função da lei do orçamento no estádio actual de evolução do Estado social de Direito tem sido, assim, significativamente cotejado com o princípio da reserva do Parlamento para da sua aprovação (Parlamentsvorbehalt), não apenas, como se referiu, na perspectiva clássica garantística dos direitos e liberdades dos cidadãos mas também (e talvez sobretudo) como expressão da função de direcção política estadual, ou dito de outro modo, como elemento relevante da função parlamentar de comparticipação no indirizzo político do Estado”.



Daí que se tenha de concluir que, tratando-se de uma previsão anual, de um plano financeiro, em que de forma global se encaram as despesas e as receitas do Estado, justifica-se que o Parlamento não só discuta tudo o que o Governo propõe, como tenha a iniciativa de alterar a proposta sempre que o entenda conveniente, desde que respeite o princípio do equilíbrio orçamental.



“A ideia fundamental vertida na Constituição no tocante à repartição de competências entre o Parlamento e o Governo, em matéria financeira, explicativa das soluções por ela encontradas nesse domínio, é a de conferir [ao Parlamento Nacional] uma ampla liberdade decisória na altura do debate da Lei do Orçamento (J.M. Cardoso da Costa, “Sobre as Autorizações Legislativas da Lei do Orçamento” supra citado, pág. 14).



No mesmo sentido Gomes Canotilho e Vital Moreira (in “Constituição da República Portuguesa Anotada”, supra citada, pág. 1118) acrescentam que o Parlamento Nacional “não pode delegar no Governo o seu poder de aprovação do orçamento mas também não pode aprová-lo senão precedendo iniciativa do Governo. Todavia, não está limitado a aprovar ou rejeitar a proposta do governo, podendo introduzir-lhe alterações. Os deputados e os grupos parlamentares não estão impedidos de fazer propostas de alteração”. Sendo certo ainda que não existem limites constitucionais às aludidas alterações.



Pelo contrário, como sustenta o Parlamento Nacional na sua resposta, poderá antes defender-se que é ao Governo que se encontra vedado apresentar quaisquer propostas de alteração a uma iniciativa admitida ao processo legislativo parlamentar. A partir desse momento, só os Deputados o podem fazer. Depois de aprovado o orçamento, então, este nunca mais poderá ser alterado, seja pelo Governo, seja pelo Parlamento. Trata-se da chamada lei travão, que está consagrada no artigo 97º, n. 2, da Constituição.



Assim concluímos que o diploma enviado a publicação não viola a Constituição, nomeadamente no seu artigo 115º, pelo facto de o Parlamento ter alterado o valor do orçamento do Estado apresentado pelo Governo.



III. Conclusão:



Pelo exposto, deliberam os juízes do Tribunal de Recurso que o Decreto do Parlamento Nacional n. 45/II que aprova o orçamento do Estado para 2011 enviado ao Senhor Presidente da República não viola os artigos 145º, n. 2, e 115º da Constituição, nem o artigo 9º da Lei 9/2005, de 3 de Agosto (sobre o Fundo Petrolífero).



***



- Notifique o Senhor Presidente da República, o Parlamento Nacional, na pessoa do seu Presidente e o Governo, na pessoa do Senhor Primeiro-Ministro.



- Oportunamente publique no Jornal da República e arquive.



Díli, 11 de Fevereiro de 2011





Os Juízes do Tribunal de Recurso





Cláudio de Jesus Ximenes – Presidente e Relator



José Luís da Goia



Rui Manuel Barata Penha