REPÚBLICA DEMOCRÁTICA DE TIMOR-LESTE

REPÚBLICA DEMOCRÁTICA DE TIMOR-LESTE

RESOLUÇÃO DO GOVERNO

30/2010

APROVA O PLANO ESTRATÉGICO DO SECTOR DA JUSTIÇA PARA TIMOR-LESTE





O Programa do IV Governo Constitucional determina, como objectivo, um sistema judiciário mais eficiente e eficaz, como parte dum processo mais amplo de modernização do Estado e de obtenção de mais desenvolvimento económico-social.

Nos termos do Decreto-Lei n.º 12/2008, de 30 de Abril, que aprova o Estatuto Orgânico do Ministério da Justiça, este é o organismo responsável pela concepção e implementação da política aprovada para as áreas da Justiça e do Direito.



Nestes termos, o Ministério da Justiça definiu um Plano Estratégico para o Sector da Justiça, com o apoio do Conselho de Coordenação para a Justiça, com o qual enumera as principais acções a encetar face às diversas instituições da área, numa perspectiva concertada de curto, médio e longo prazo.



Assim, o Governo resolve, nos termos da alínea a) do artigo 116.º da Constituição da República, o seguinte:



É aprovado o Plano Estratégico do Sector da Justiça para Timor-Leste, constante do anexo à presente Resolução e que dela faz parte integrante.



Aprovado em Conselho de Ministros de 31 de Março de 2010.



Publique-se.





O Primeiro-Ministro,



_____________________

Kay Rala Xanana Gusmão







Sector da Justiça



Plano Estratégico para Timor-Leste



Aprovado pelo Conselho de Coordenação para a Justiça



Dili, 12 de Fevereiro de 2010



CAPÍTULO 1. INTRODUÇÃO



1.1. Um Plano Estratégico para o Sector da Justiça



O Plano Estratégico para o Sector da Justiça é uma iniciativa da Ministra da Justiça apoiada pelo Conselho de Coordenação para a Justiça (CC) e desenvolvida com o apoio do secretariado técnico criado para o efeito. Esta iniciativa baseia-se no reconhecimento de que é necessário reforçar a coordenação e alinhar a acção das principais instituições da justiça em torno de uma visão comum e de uma direcção estratégica para o sector a curto, médio e longo prazo.



A iniciativa foi lançada num workshop a nível nacional, com a duração de dois dias, realizado em Abril de 2009, que reuniu o Primeiro-Ministro e outros membros do Governo, os líderes das instituições de justiça e os respectivos profissionais, representantes da sociedade civil, das Nações Unidas (NU) e da vasta comunidade internacional presente em Timor-Leste.



Seguiu-se a realização de uma série de workshops, bem como de outros mecanismos de consulta, tanto a nível político, como a nível operacional, com o intuito de promover a participação e alargar o debate ao maior número possível de entidades e profissionais do sector, como forma de obter contributos essenciais para a elaboração do plano estratégico.



Foram constituídos cinco grupos de trabalho, com representantes das instituições de justiça nacionais, da sociedade civil e da comunidade internacional, de acordo com as seguintes áreas temáticas:



• Desenvolvimento Institucional

• Reforma e Quadro Legal

• Desenvolvimento dos Recursos Humanos

• Infra-estruturas e Tecnologias de Informação

• Acesso à Justiça



A elaboração do plano estratégico baseou-se na análise da situação actual do sector da Justiça , apresentada de forma resumida no Capítulo 2, onde são identificados os progressos alcançados e os principais desafios que se colocam ao Sector da Justiça e às suas instituições.



O extenso contributo dos grupos de trabalho permitiu chegar a uma compreensão partilhada de ''onde estamos agora'' (Capítulo 2), definir a direcção a seguir ''para onde queremos ir'' (Capítulo 3) e procurar soluções para os desafios actuais organizadas em metas, objectivos e actividades que mostram ''como vamos lá chegar'' (Subcapítulo 3.2. e Anexo).



1.2. Justiça e Desenvolvimento de Timor-Leste



Timor-Leste tornou-se um Estado soberano a 20 de Maio de 2002. Este marco histórico foi alcançado à custa de um enorme sacrifício e determinação do povo timorense. Mais de 200.000 timorenses pereceram durante a ocupação entre 1975 e 1999. A retirada do exército indonésio, que se seguiu ao Referendo Popular de 1999 no qual 78,5% do povo votou pela total inde-pendência do país, não foi pacífica. As estruturas do Estado foram destruídas e profissionais de todos os sectores abandonaram o país.



A crise político-militar vivida em 2006 teve um severo impacto no crescimento económico e no desenvolvimento de Timor-Leste. A violência e o deslocamente interno que se seguiram demonstraram a vulnerabilidade do país para o conflito e a fragilidade das ainda jovens instituições do Estado.



O país está agora mais estável. Contudo, existe uma pressão sobre o Governo para resolver as tensões ainda existentes, fornecer aos cidadãos benefícios sociais e económicos tangí-veis, melhorar a qualidade de vida da população rural e com-bater o elevado nível de desemprego. Dar resposta à pobreza está no centro de tudo. Timor-Leste é o país mais pobre da região ASEAN . Quase 50% da população de Timor-Leste está classificada de pobre e 80% da população vive da agricultura de subsistência, embora muitos dependam do dinheiro recebido de familiares ou do Governo.



Não obstante estes desafios, esta jovem nação registou um progresso significativo desde a restauração da independência em 2002, incluindo o estabelecimento das infra-estruturas institucionais necessárias a um Estado democrático soberano. A criação do Fundo Petrolífero foi elogiada a nível internacional como passo decisivo para a transparência, boa governação e sustentabilidade do desenvolvimento económico. Timor-Leste possui assim, uma base sólida de recursos para dar resposta aos desafios de desenvolvimento, incluindo o de proporcionar Justiça a todos os cidadãos independentemente dos seus recursos económicos.



O sector da justiça desempenha um papel crucial nos esforços para consolidar a paz e a estabilidade, assegurar o Estado de Direito e promover a responsabilização e a transparência. O estabelecimento da Comissão Anti-Corrupção, a criação da Câmara de Contas, a integrar no futuro Tribunal Superior Administrativo, Fiscal e de Contas, e a aposta numa investiga-ção criminal especializada, constituem iniciativas centrais do Governo que prosseguem tais objectivos.



Contudo, é preciso não esquecer que o objectivo central de qualquer sistema de justiça é o de fazer justiça no caso concreto. As expectativas das pessoas comuns são simples: os conflitos têm de ser resolvidos; o que estiver errado deve ser corrigido; os direitos devem ser protegidos; os criminosos de-vem ser punidos e as vítimas compensadas. E, o processo at-ravés do qual se administra a justiça deve ser credível, in-dependente, transparente, efectivo, eficiente, rápido e justo .



É importante considerar estas expectativas na definição de uma visão coerente e comum sobre o modo como o sistema de Justiça de Timor-Leste se deve desenvolver e funcionar. Mas é igualmente importante ter em mente que o sector de Justiça deste jovem país está a ser construído do zero em termos de infra-estruturas, equipamentos, procedimentos e pessoal qualificado.



Construir um sistema de justiça que:



a) Garanta os direitos, deveres, liberdades e garantias funda-mentais previstas na Constituição e, em particular, o acesso de todos os cidadãos à justiça;



b) Sirva os valores e a cultura de Timor-Leste, e;



c) Obtenha a confiança do povo Timorense,



É um objectivo que levará tempo a atingir, talvez décadas, e que requer uma vontade colectiva da sociedade idealmente expressa através de um firme consenso partilhado pelos líderes políticos do país.



Este Plano Estratégico pretende ser um guia para nos orientar a todos na criação deste sistema.





CAPÍTULO 2. ANÁLISE SITUACIONAL



2.1. Perspectiva geral do sector



Neste capítulo procura-se apresentar, de forma resumida, a situação actual do sector da Justiça e identificar os principais desafios a enfrentar no futuro próximo, com base nas cinco áreas temáticas atrás referidas: Desenvolvimento Institucional, Reforma e Quadro Legal, Desenvolvimento de Recursos Huma-nos, Infra-estruturas e Tecnologias de Informação e Acesso à Justiça.



Timor-Leste é um Estado de direito democrático, soberano, independente e unitário, baseado na vontade popular e no respeito pela dignidade da pessoa humana . A Constituição da República Democrática de Timor-Leste (RDTL) reconhece os direitos humanos fundamentais, nomeadamente os previstos em instrumentos internacionais , estabelece os princípios gerais de funcionamento do Estado de Direito e do sistema de justiça e define as suas instituições e competências. Os mandatos institucionais, previstos na Constituição e na lei, são claros e existe vontade política para melhorar o desempenho do sector de justiça, considerado pelo actual Governo uma prioridade nacional. Foram criados mecanismos de coordenação com o objectivo de definir as prioridades do sector, coordenar a actuação das diferentes instituições e alinhar o financiamento dos doadores com as prioridades estratégicas do Governo.



Apesar dos progressos alcançados, a verdade é que o sistema de justiça de Timor-Leste tem vindo a ser construído do zero. Em 1999, as infra-estruturas foram destruídas e praticamente todos os especialistas jurídicos contratados pela Indonésia deixaram o país. Desde então, o sector da justiça tem dependido fortemente das NU e dos seus parceiros de desenvolvimento. As primeiras instituições nacionais do sistema de justiça foram estabelecidas em 2001: um tribunal de recurso em Díli, quatro tribunais distritais para todo o país (localizados em Díli, Baucau, Suai e Oecussi) e três prisões (localizadas em Baucau, Díli e Gleno); esta estrutura permanece inalterada até aos dias de hoje, à excepção da prisão de Baucau que foi encerrada devido a problemas estruturais. Foi também implementada a Procuradoria-Geral da República (PGR), órgão superior do Ministério Público (MP) que representa o Estado em juízo e exerce a acção penal e estabelecidos os Conselhos Superiores da Magistratura Judicial (CSMJ) e do Ministério Público (CSMP). Foi criada a Defensoria Pública, organismo integrado no Ministério da Justiça, com o mandato de prestar assistência jurídica, judicial e extra-judicial, gratuita, aos cidadãos com insuficientes recursos económicos , cujo Estatuto foi aprovado em Outubro de 2008 e que prevê a a constituição do Conselho Superior da Defensoria Pública (CSDP).O exercício da advocacia privada só recentemente foi regulado por lei .



Entre 2001 e 2004, as primeiras posições judiciárias foram ocupadas por pessoas recem licenciadas sem nenhuma experiência de trabalho. Desde então canalizaram-se intensos esforços na formação de juízes, procuradores e defensores públicos timorenses. Para permitir aos magistrados timorenses concentrarem-se na formação a tempo inteiro, foram contratados profissionais internacionais, incluindo oficiais de justiça, para garantir um nível mínimo de serviço. Contudo, o número de profissionais internacionais esteve, até hà pouco tempo, inteiramente dependente do financiamento dos doadores. Actualmente, parte desse financiamento é já assegurado pelo orçamento nacional.



Até 2007-2008, o objectivo foi o de consolidar as instituições existentes e de implementar os serviços distritais, quase inexistentes. Foram criados serviços de registos civil e delegações da Direcção Nacional de Terras e Propriedades nos treze distritos.



Reconhece-se que o sistema de justiça timorense é actualmente pequeno para servir toda a população, fazer face à procura crescente e cumprir o seu mandato constitucional de aplicar a lei e assegurar o respeito pelo Estado de Direito. São os pobres e os mais desfavorecidos quem mais precisa do Estado para se protegerem da "justiça pela força". Uma parte muito substancial dos conflitos é resolvida por recurso aos mecanismos tradicionais de justiça, muitas vezes implicando violações de direitos fundamentais, em particular das mulheres e das crianças.



Por outro lado, algumas instituições previstas na Constituição e na lei ainda não foram implementadas, como é o caso do Supremo Tribunal de Justiça e do Conselho Superior da Defensoria Pública; e os Conselhos Superiores de Magistratura Judicial e do Ministério Público, em funcionamento, necessitam de desenvolver a sua capacidade enquanto órgãos de supervisão e disciplina.



Actualmente, o Governo está empenhado em prosseguir os seguintes desafios:



• Melhorar a coordenação do sector, assegurando que as suas instituições possuem uma perspectiva clara de como interagem e se complementam e alargando a composição do Conselho de Coordenação a outras entidades relevantes do sector da Justiça (Defensoria Pública, Advogados Privados e Polícia de investigação criminal);



• Desconcentrar os serviços de justiça e criar mecanismos que facilitem o acesso das populações à justiça;



• Estabelecer as instituições previstas na Constituição e na lei que ainda não foram implementadas, nomeadamente o Supremo Tribunal de Justiça, o Tribunal Superior Adminis-trativo, Fiscal e de Contas, os Tribunais Administrativos e Fiscais de Primeira Instância e a Comissão de Programas Especiais de Segurança (Lei da Protecção de Testemunhas);



• Melhorar a capacidade das instituições para cumprirem os seus mandatos de forma eficiente e eficaz e, em particular, a dos órgãos com competência na área da investigação criminal;



• Desenvolver a capacidade dos órgãos de supervisão e controlo do sistema de Justiça, assegurando a sua indepen-dência e eficácia da acção (Conselhos Superiores, Tribunal de Contas);



• Garantir um apoio e assistência jurídica efectiva e de qualidade, em particular aos mais desfavorecidos, quer através do reforço da capacitação técnica dos defensores públicos, quer através da criação de um corpo indepen-dente e eficaz de advogados privados;



• Aperfeiçoar os sistemas de gestão e procedimentos em matéria de planeamento, orçamentação, gestão financeira, aprovisionamento, logística e recursos humanos, incluindo o estabelecimento de sistemas coordenados de gestão de casos processuais;



• Melhorar a capacidade dos serviços prisionais para garantir a segurança das instalações prisionais, o cumprimento das normas internacionais e a reintegração dos prisioneiros na comunidade;



• Reforçar a capacidade dos serviços de registo e notariado para garantir a segurança do comércio jurídico e assegurar que os actos são executados de forma rápida e acessível aos cidadãos;



• Criar um organismo autónomo com capacidade para gerir eficazmente o cadastro de terras e o património imobiliário do Estado, e implementar a legislação que regula a proprie-dade e o uso da terra em Timor-Leste;



• Divulgar o sistema de justiça, as leis e os direitos fundamen-tais junto das populações, de modo a aumentar a confiança no sistema e a criar uma percepção generalizada de uma "justiça para todos".



2.2. Perspectiva e Desenvolvimento Institucional



2.2.1. Coordenação do sector da Justiça. Ministério da Justiça.



Um dos aspectos essenciais para o bom funcionamento de qualquer sistema de justiça, para além da definição de políticas adequadas, reside no planeamento estratégico e na coordenação das principais instituições do sector, função que está a cargo do Ministério da Justiça conforme decorre do seu Estatuto Orgânico:



O Ministério da Justiça é o órgão do Governo responsável pela concepção, implementação e coordenação da política definida, pelo Parlamento Nacional e pelo Conselho de Ministros, para as áreas da Justiça e do Direito, competindo-lhe assegurar as relações do Governo com os Tribunais, com o Ministério Público e com os Conselhos Superior de Magistratura Judicial, do Ministério Público e da Defensoria Pública, bem como com os demais agentes da área da Justiça e do Direito, designadamente com a entidade representativa dos Advogados.



`A estrutura orgânica e atribuições do Ministério e das respectivas Direcções Nacionais estão definidas e, de uma forma geral, existem sistemas de gestão e procedimentos desenvolvidos e implementados. Registam-se progressos no desenvolvimento da capacidade dos funcionários na execução de funções-chave, embora ainda se registem carências nalgumas áreas. No entanto, o Ministério tem em curso progra-mas de capacitação técnica em áreas críticas (por exemplo, produção legislativa, registos e notariado, cadastro e gestão de terras) e está empenhado em melhorar os seus serviços, em particular nos distritos.

Foram instituídos mecanismos de coordenação como é o caso do Conselho de Coordenação para a Justiça e do Conselho Consultivo do Ministério da Justiça com o objectivo de definir as prioridades para o sector e para o Ministério, coordenar a acção das diferentes instituições e alinhar o financiamento dos doadores com as prioridades estratégicas do Governo. Anualmente é conduzido um processo de planeamento, tendo em vista definir prioridades e elaborar os planos anuais de acção e respectivos orçamentos, que envolve a participação das principais instituições do sector e, no âmbito do Ministério, de todos os directores nacionais. Porém, o Estatuto Orgânico do Ministério da Justiça limita formalmente os membros do Conselho de Coordenação ao Ministro da Justiça, que preside, ao Presidente do Tribunal de Recurso e ao Procurador-Geral da República, sendo desejável que participem neste processo outras instituições cujo desempenho é igualmente essencial para o sucesso do sistema de justiça, como é o caso da Polícia de investigação criminal, da Defensoria Pública ou dos Advogados Privados.



Se pensarmos que o sistema de justiça é um circuito processual no qual o desempenho de cada instituição tem uma influência directa no resultado final obtido, é fácil compreender a importância do conceito da coordenação e da interacção entre as instituições do sector para o bom funcionamento e sucesso do sistema de justiça. Este conceito é particularmente notório nos processos-crime (vd. figura abaixo): o processamento da queixa, inquérito, acusação e julgamento do caso pode ser visto como uma cadeia em que a acção de cada uma das instituições judiciárias influencia a acção da seguinte. Por isso, o público olha para o sector como um todo e não como instituições separadas.







Muito embora o sector da justiça seja constituído por instituições parcial ou completamente independentes e nenhuma instituição possa dirigir ou comandar a outra, a verdade é que o desenvolvimento do sector não acontecerá se cada instituição trabalhar sózinha, desligada das restantes; é antes necessário que as instituições compreendam a forma como interagem e se complementam, tendo em vista assegurar a defesa dos direitos e interesses legítimos dos cidadãos atra-vés de uma resolução dos conflitos eficaz, célere e justa. No centro do sistema de justiça está o cidadão; são as necessi-dades deste que devem determinar a forma como o sistema de justiça e as suas instituições se devem desenvolver.



Os principais desafios que se colocam nesta área são, pois:



• Reforçar a coordenação do sector, nomeadamente através do alargamento do Conselho de Coordenação para a Justiça a representantes de outras instituições relevantes;

• Melhorar a coordenação entre os doadores internacionais e alinhar os seus programas com as prioridades estratégicas definidas para o sector da Justiça;



• Desenvolver mecanismos para obter informação perió-dica relevante, na qual o Conselho de Coordenação se possa basear para formular as suas opções estratégicas;



• Reforçar a capacitação dos serviços do Sector e do Minis-tério e a cooperação entre eles, em particular nos distritos, designadamente através do recrutamento e/ou reafectação do pessoal e de formação adicional para o desempenho de funções-chave.



2.2.2. Função Jurisdicional. Os Tribunais.



O mandato e a independência dos tribunais estão claramente definidos na Constituição e na lei. A Constituição define também os tipos de tribunais e as respectivas competências e prevê a possibilidade de se instituir instrumentos e formas de composição não jurisdicional de conflitos .



Os tribunais são órgãos de soberania com competência para administrar a justiça em nome do povo, aplicar a lei e fazer executar as suas decisões; as decisões dos tribunais são de cumprimento obrigatório e prevalevem sobre todas as decisões de quaisquer autoridades; os tribunais são inde-pendentes e apenas estão sujeitos à Constituição e à lei



Actualmente existe um tribunal de recurso e quatro tribunais distritais, claramente insuficientes para dar resposta à procura crescente e assegurar o princípio constitucional do acesso à justiça para todos os cidadãos. Os juízes timorenses, cientes das dificuldades, implementaram os tribunais móveis, o que tem ajudado a fazer chegar a justiça às populações de distritos onde não existem tribunais. No entanto, a falta de conhecimento e de confiança e a dificuldade de acesso aos tribunais (por contraposição à facilidade de acesso à justiça informal), parecem constituir importantes factores que inibem a população de fazer maior uso do sistema de justiça formal.



Verificam-se ainda sérios problemas de fornecimento de bens e serviços e manutenção, incluindo ao nível da infra-estrutura tecnológica que ainda não é a adequada. Não existe um sistema de gestão de casos judiciais, o que dificulta a obtenção de dados estatísticos fiáveis e a avaliação dos profissionais do foro. Em geral, não se registam, nos tribunais, atrasos signifi-cativos nos processos-crime; o mesmo não se pode dizer dos processos cíveis, cujo atraso é frequente (por exemplo casos pendentes de disputas de terras).



Os magistrados a exercer funções foram sujeitos a uma formação inicial de qualidade e têm sido co-adjuvados nas suas funções por juízes internacionais. No entanto, a trans-ferência de conhecimentos tem sido lenta, dado que os interna-cionais têm, sobretudo, executado as funções judiciais, em detrimento de funções de mentoria. Registou-se um aumento dos recursos humanos afectos aos tribunais, em particular nos distritos fora de Dili, incluindo oficiais de justiça, nacionais e internacionais.



Apesar dos avançados significativos registados nos últimos anos, ainda há vários desafios a enfrentar, designadamente:



• Completar o quadro legal do sistema judicial e proceder à revisão de algumas leis existentes (por exemplo, não existe uma lei de organização judiciária; é necessário rever o Código das Custas Judiciais e o Estatuto dos Oficiais de Justiça);



• Implementar os tribunais previstos na Constituição que ainda não foram estabelecidos: Supremo Tribunal de Justiça, Tribunal Superior Administrativo Fiscal e de Contas e tribunais administrativos e fiscais de primeira instância, tribunais militares;



• Rever, quando for oportuno, o quadro legal que regula a composição e nomeação dos membros do Conselho Superior da Magistratura Judicial, de modo a reforçar a sua independência face ao poder político;



• Reforçar o quadro de juízes em número suficiente para implementar todos os órgãos judiciários previstos na Constituição e recrutar e formar pessoal para desempenhar funções administrativas de modo a libertar os juízes de tais tarefas;



• Formar os oficiais de justiça para desempenharem cabal-mente as suas funções;



• Definir e implementar sistemas de gestão e manuais de procedimentos, incluindo um sistema de gestão de casos processuais;



• Assegurar a criação progressiva de mais distritos judiciais, com base numa avaliação efectiva das necessidades (mapa do sector da justiça);



• Assegurar que os juízes internacionais, dentro de um prazo razoável, deixem de executar as funções judiciais e passem a ter funções de assessoria, formação e mentoria.



2.2.3. Acção Penal e Investigação Criminal.



2.2.3.1. Acção Penal. Ministério Público



O mandato do Ministério Público está claramente definido na Constituição e na lei. O Ministério Público constitui uma magistratura hierarquicamente organizada e subordinada ao Procurador-Geral da República. A Procuradoria-Geral da República (PGR) é o órgão superior do Ministério Público e o Conselho Superior do Ministério Público é parte integrante da PGR.



O Ministério Público representa o Estado, exerce a acção penal, assegura a defesa dos menores, ausentes e incapazes, defende a legalidade democrática e promove o cumprimento da lei, cabendo-lhe assegurar a supervisão das investigações criminais. .



O Estatuto do Ministério Público (MP) foi aprovado por lei do Parlamento Nacional, prevendo-se a regulamentação de alguns aspectos, quer por via de diplomas do Governo, quer por deliberação do Conselho Superior do Ministério Público (CSMP). Após ter sido experimentado durante mais de quatro anos, o Estatuto do MP revela algumas insuficiências, pelo que se mostra necessário aprovar-se um novo Estatuto, mais adequado aos desafios que a prática judiciária actualmente recomenda. As alterações ao Estatuto foram entretanto elaboradas e aguardam aprovação.



Uma parte do pessoal revelante e necessário ao desempenho de funções na PGR já foi recrutado, aguardando formação adequada. No entanto, a dimensão actual da instituição é reduzida face ao seu mandato (existem apenas 22 magistrados do MP, 14 nacionais e 8 internacionais) e continuam a existir inúmeros desafios, em termos de planeamento, organização e gestão, desenvolvimento de competências e demais recursos. São recorrentemente apontados os seguintes desafios e metas a atingir:



• Completar e aperfeiçoar o quadro legal do MP, designada-mente através da revisão e aprovação do actual Estatuto de modo a torná-lo mais efectivo, e da elaboração de outros diplomas necessários;



• Reforçar o quadro de magistrados do MP, de modo a acompanharem o alargamento do mapa judiciário, com a criação dos tribunais previstos na Constituição e a criação dos serviços especializados do MP;



• Reforçar o quadro de profissionais, incluindo Procuradores da República internacionais, assegurando que, dentro de um prazo a definir, passem a dedicar-se mais a funções de mentoria e assessoria de forma a assegurar a transição e transferência de conhecimento para os Procuradores da República nacionais;



• Reforçar a capacidade na condução de investigações criminais mais complexas, em especial em crimes cometidos no exercício de funções públicas;



• Estabelecer mecanismos que promovam uma comunicação e colaboração regular entre o Ministério Público e os restantes órgãos de polícia criminal, designadamente PNTL, Comissão Anti-Corrupção e Inspecção-Geral do Estado;



• Formar os primeiros oficiais de justiça treinados para desempenharem cabalmente as suas funções nas secreta-rias do MP;



• Definir e implementar um sistema informático de gestão de inquéritos criminais e adoptar o número único para a identificação do inquérito criminal;



• Proporcionar uma maior divulgação da actividade do Ministério Público, de forma a reforçar a confiança do público e eliminar a percepção de impunidade;



• Estabelecer os Serviços de Apoio Técnico e Administra-tivos da PGR, recrutar e formar pessoal para desempenhar funções administrativas;



• Estabelecer mecanismos para inverter a situação laboral dos funcionários da PGR (a maioria são funcionários temporários), permitindo o aumento dos factores de motivação e maiores investimentos na formação profissional.



2.2.3.2. Polícia de investigação criminal



A estrutura orgânica da Polícia Nacional de Timor-Leste (PNTL) inclui o Serviço de Investigação Criminal que ''tem como missão específica investigar e prevenir o crime e executar as instruções da autoridade judicial competente, em conformi-dade com a lei, sem prejuízo da dependência hierárquica da PNTL'' .



Recentemente, a área da investigação criminal foi objecto de análise por parte de uma missão técnica que em Maio de 2009 se deslocou a Timor-Leste. No Relatório subscrito pela missão, concluiu-se que a investigação criminal é praticamente inexistente. A PNTL, apesar de integrar uma unidade de investigação criminal, está organizada numa lógica de ordem pública; os investigadores não têm os conhecimentos e competências adequadas para conduzir eficazmente as investigações e formalizar os actos processuais e os meios de recolha e conservação da prova são praticamente inexistentes. Acresce a proliferação de polícias de diversos países, com sistemas procedimentais diferentes e que não dispõem de conhecimentos de investigação criminal, bem como o uso de diversas línguas num mesmo processo. Esta situação tem conduzido a detenções ilegais e à ininteligibilidade dos processos. O relatório concluiu pela necessidade de criar, de raiz, uma polícia de investigação criminal capacitada para a recolha, preservação, análise e correlação dos elementos probatórios que coadjuve os aplicadores do direito.



A área da investigação criminal é, assim, uma das áreas do sector da Justiça que vai necessitar de maior apoio nos próximos anos. Os desafios a enfrentar são enormes e os sucessos só poderão ser alcançados com o empenho de todos, instituições, Governo e comunidade internacional:



• Criar uma polícia especializada em investigação criminal e os serviços forenses de Timor-Leste;



• Apostar numa formação altamente especializada dos agentes de investigação criminal, que englobe formação jurídica (direito e processo penal), metodologias de investi-gação criminal e deontologia profissional;



• Fazer um levantamento das necessidades em termos de infra-estruturas, residências, equipamentos, tecnologias e logística, necessários à investigação criminal e implementar uma estratégia para colmatar essas necessidades;



• Desenvolver guias de bolso em Tetum para distribuir pelos polícias, contendo instruções básicas sobre o Código de Processo Penal;



• Aumentar o número de polícias internacionais que falem português a trabalhar na área da investigação criminal, para tornar mais efectivo o acompanhamento, monitorização e aconselhamento dos colegas nacionais em questões legais;

• Assegurar que o registo de queixas, relatórios, informação recebida dos suspeitos e testemunhas e despachos dos procuradores, sejam produzidos em Tetum e em Português, como forma de facilitar o trabalho e dispensar o recurso aos serviços de tradução, em especial por parte da polícia;



• Reforço significativo dos serviços de tradução e inter-pretação e formação adicional em língua portuguesa.



2.2.4. Assistência Jurídica.



No sistema legal de Timor-Leste o apoio jurídico, judicial e extra-judicial, está a cargo dos defensores públicos e dos advogados privados .



2.2.4.1. Defensoria Pública



A Defensoria Pública tem por função a prestação de assistência jurídica, integral e gratuita, judicial e extra-judicial, aos cidadãos mais necessitados. Cabe-lhe, ainda, a representação do ausente, incerto ou incapaz, em substituição do Ministério Público, nos casos previstos na lei. O Estatuto da Defensoria Pública foi aprovado em Outubro de 2008 e a instituição está a a funcionar nos quatro distritos judiciais.



A Defensoria Pública é o organismo, sob tutela do Ministério da Justiça, responsável por prestar assistência jurídica, judicial e extra-judicial, integral e gratuita, aos cidadãos com insuficientes recursos económicos .



Os defensores públicos receberam formação inicial, juntamente com Juízes e Procuradores, e o aumento do número de casos registado nos últimos dois anos, em particular casos civis, parece refletir um maior grau de confiança e conhecimento por parte do povo timorense sobre o sistema de justiça e os mecanismos de protecção e assistência jurídica existentes.



No entanto, a eficácia da Defensoria Pública é ainda reduzida devido a vários factores: a falta de formação especializada e contínua para lidar com certos casos que requerem compe-tências específicas (por exemplo, processos civil, nomeada-mente casos relativos a direito da família e de propriedade e processos crime de maior complexidade); a falta de infra-estruturas adequadas; o facto dos serviços distritais ainda estarem a ser implementados; a inexistência de um sistema de gestão de casos e de procedimentos adequados; a falta de implementação do Conselho Superior da Defensoria Pública; e a falta da contratação do Inspector da Defensoria Pública, são alguns desses factores. É também referido o facto da Defensoria Pública não ter recebido o mesmo tratamento constitucional-legal das restantes instituições judiciais e que o seu grau de autonomia não é o adequado. Acresce dizer que muitos cidadãos ainda não têm conhecimento do papel e dos serviços assegurados pelos Defensores Públicos.



Os desafios que se colocam nesta área são os seguintes:



• Desenhar e implementar, em conjunto e em colaboração com o CFJ, um programa de formação contínua dos defensores públicos, estruturado em módulos de formação obrigatórios;

• Divulgar os serviços da Defensoria Pública e a função dos defensores públicos junto da população ;



• Assegurar que os defensores públicos prestam serviços exclusivamente aos cidadãos com insuficientes meios económicos e nos casos de patrocínio oficioso;



• Implementar o Conselho Superior da Defensoria Pública;



• Assegurar que a Defensoria Pública acompanhe a criação progressiva de mais distritos judiciais, criando uma Defen-soria Pública Distrital em cada um dos novos distritos;



• Criar a Defensoria Pública itinerante, de modo a possibilitar o acesso à justiça da população residente em distritos onde não exista defensoria distrital;



• Desenvolver um programa de formação dos Assistentes dos Defensores Públicos, de modo a possibilitar uma am-pliação das suas funções e uma maior participação nas actividades da Defensoria;



• Promover a contratação de funcionários internacionais para capacitar os assistentes nacionais dos defensores públicos;



• Assegurar que os defensores públicos internacionais, den-tro de um prazo razoável, passem a exercer menos as fun-ções judiciais e mais funções de assessoria, formação e mentoria;



• Desenvolver uma abordagem integrada de assistência jurídica, envolvendo defensores públicos, advogados privados, paralegais e os demais mecanismos de apoio judi-ciário e protecção à vítima (ex. isenção de custas judiciais, casas de abrigo, etc.);



• Rever, quando for oportuno, o estatuto constitucional-le-gal da Defensoria Pública tendo em vista reforçar a sua independência e autonomia.



2.2.4.2. Advogados Privados



No âmbito da advocacia privada, foi criada a Associação dos Advogados de Timor-Leste (AATL), mas o exercício da profissão só recentemente foi regulado por lei . O actual quadro legal é, no entanto, transitório e não consagra ainda o direito dos advogados privados de se auto-regularem através de uma Ordem de Advogados ou organismo equivalente.



Está em curso o processo de selecção do primeiro grupo de advogados privados que irá frequentar o primeiro curso de formação de advogados, que dará acesso formalmente ao exercício da profissão. A maioria dos advogados privados que prestam assistência jurídica em Timor-Leste não recebeu formação adequada, designadamente sobre o Código Penal, Código de Processo Penal e Código de Processo Civil, para além de terem conhecimentos insuficientes da Língua Portuguesa.

Os desafios que se colocam nesta área são os seguintes:



• Implementar o Conselho de Gestão e Disciplina previsto na lei em vigor;



• Desenhar e implementar um programa de formação contínua dos advogados privados, estruturado em módu-los de formação obrigatórios e que inclua requisitos míni-mos de horas de prática;



• Apoiar a implementação de uma estratégia que permita criar uma Ordem de Advogados, reconhecida e independente, com responsabilidades de auto-regulação do exercício da profissão;



• Divulgar a função dos advogados privados junto da população .



2.2.5. Serviços Prisionais e Reinserção Social



Os Serviços Prisionais conheceram nos últimos anos melhorias muito signicativas em termos de infra-estruturas, condições de segurança e respeito pelos direitos dos prisioneiros. O quadro legal dos serviços está definido, mas o Estatuto dos Guardas Prisionais ainda não foi aprovado. Foram concebidos e realizados programas de formação para melhorar as competências do pessoal e tem sido garantida, de forma regular, a realização de acções de alfabetização e formação vocacional dos reclusos.



A Direcção Nacional dos Serviços Prisionais e de Reinserção Social (DNPSRS) é o serviço responsável pela definição, gestão e segurança do sistema prisional e do serviço de reinserção social, competindo-lhe, designadamente, gerir a execução das penas, orientar a formação educacional e profissional dos reclusos, promover a reintegração social dos jovens e dos reclusos, assegurando a ligação com o respectivo meio sócio-familiar e profissional, garantir a segurança dos estabelecimentos prisionais e coordenar a formação dos guardas prisionais .



Actualmente existem apenas dois estabelecimentos prisionais (Becora e Gleno), prevendo-se que, no curto a médio prazo, a sua capacidade se torne insuficiente. Não existem instalações específicas para mulheres e jovens deliquentes e verificam-se problemas de disciplina e profissionalismo entre os gestores e funcionários dos serviços prisionais.



Os principais desafios que se colocam nesta área são:



• Criar instalações próprias para mulheres e centros de detenção para jovens;



• Construir novos estabelecimentos prisionais, de forma a facilitar o transporte até ao tribunal e o acesso das famílias dos reclusos;



• Melhorar os cuidados médicos e assistência psicológica aos prisioneiros e, em particular um plano nacional para lidar com os doentes mentais;

• Melhorar as competências, disciplina e profissionalismo dos gestores e funcionários;



• Criar a capacidade operacional adequada, nomeadamente em termos de estruturas de gestão e autonomia administra-tiva e financeira;



• Aprovar o estatuto dos guardas prisionais e um código de conduta próprio;



• Reforçar e monitorizar a formação dos guardas prisionais, em particular em procedimentos legais e direitos humanos;



• Reforçar a educação não-formal, alfabetização e treino vocacional de reclusos, designadamente através da promoção da certificação ou acreditação dos cursos para assegurar uma reintegração bem sucedida;



• Criar um sistema de registo, avaliação e monitorização das formações realizadas;



• Criar um sistema eficiente e eficaz de gestão de penas e de medidas de segurança privativas da liberdade;



• Desenvolver uma política nacional de promoção do uso de penas alternativas ao encarceramento (pena de prisão);



• Desenvolver e implementar um programa integrado de serviços de reintegração social, que prepare e apoie os prisioneiros na sua reintegração na comunidade e, simultaneamente, avalie o risco para a sociedade depois da execução das sentenças.



2.2.6. Serviços de Registo e Notariado



No âmbito dos Registos e Notariado, foram criados e estão a funcionar os serviços de registo civil (nascimento, casamento, divórcio, perfilhação e óbito), registo público (que inclui o registo comercial e registo de pessoas colectivas sem fins lucrativos), notariado, identificação civil e criminal, e passaportes. Falta ainda criar os serviços de registo predial e bens móveis sujeitos a registo (incluindo registo automóvel). Foram implementadas Repartições de Registo Civil nos 13 distritos e Cartórios Notariais em Dili, Baucau e Oecusse.



A Direcção Nacional dos Registos e Notariado (DNRN) é o serviço responsável pelo estudo e execução das políticas relativas aos registos e ao notariado, competindo-lhe, designadamente, estudar e elaborar projectos legislativos, promover e assegurar os serviços do registo civil, criminal, comercial, registo de pessoas colectivas sem fins lucrativos, registo predial e de bens móveis sujeitos a registo, executar os procedimentos necessários à identificação civil, reconhecimento e atribuição de nacionalidade e emissão de passaportes e inspeccionar e controlar as actividades notarial e registral.



O grande desafio que se coloca neste momento prende-se com o recrutamento e formação de pessoal, nomeadamente de conservadores e notários, e oficiais de registo e do notariado, de forma a garantir a prestação de um serviço eficiente e eficaz, que garanta a segurança dos actos jurídicos extra-judiciais. Trata-se de um mecanismo de justiça preventiva que visa evitar conflitos entre os cidadãos e, consequentemente, diminuir os processos litigiosos nos tribunais, aumentar a confiança no Estado e na justiça, reduzir a corrupção e os actos fraudulentos e ilegais e garantir os direitos básicos dos cidadãos (como por exemplo, o direito à cidadania). Por outro lado, há que assegurar que os serviços de registos e notariado são inspeccionados de forma sistemática e eficaz, por uma entidade independente, de forma a garantir a qualidade do serviço e o cumprimento dos requisitos definidos.



Os principais desafios nesta área são:



• Completar o quadro legal dos registos e notariado (Códigos do Registo Civil, Predial, Bens Móveis sujeitos a registo, etc.);



• Desenvolver os respectivos materiais de apoio à imple-mentação das leis (manuais de procedimentos opera-cionais);



• Implementar as Conservatórias dos Registos Civil e Predial e assegurar a sua descentralização nos distritos;



• Assegurar o recrutamento e formação do pessoal neces-sário;



• Modernizar e simplificar os serviços, implementando, por exemplo, o conceito de 'balcão único' e 'empresa na hora';



• Dotar a DNRN de uma estrutura de direcção adequada e criar uma Inspecção dos Registos e Notariado, independente da DNRN.



2.2.7. Terras e Propriedades e Cadastro



Uma das questões mais sensíveis a cargo do Ministério da Justiça é a questão da regularização da propriedade da terra em Timor-Leste. Após um longo processo de consulta pública, a chamada Lei de Terras está em condições de ser submetida para análise e aprovação dos órgãos competentes. Conforme decorre do artigo 1º do anteprojecto, esta lei visa definir o regime especial de reconhecimento e atribuição dos primeiros direitos de propriedade de bens imóveis em Timor-Leste. Pretende-se clarificar a situação jurídica dos bens e promover a distribuição da propriedade pelos cidadãos, garantindo o acesso de todos à terra. O reconhecimento e atribuição da propriedade baseia-se nos princípios do respeito pelos direitos anteriores primários, no reconhecimento da posse actual como fundamento para a atribuição do direito de propriedade e na compensação em caso de duplicidade de direitos.



Está também a ser elaborada um conjunto de legislação complementar que vai regular questões conexas: regime das compensações; criação do fundo financeiro imobiliário; domínio público e privado do Estado; expropriações por utilidade pública; entre outras.



Ultrapassada a etapa legislativa, o grande desafio reside na capacidade do MJ em delinear um plano de implementação efectiva das referidas leis e reunir as condições necessárias para se criar um organismo autónomo com capacidade e autonomia adequada para gerir o Cadastro, o Património Imobiliário do Estado e a regularização da propriedade da terra, sucedendo à actual Direcção Nacional de Terras, Propriedades e Serviços Cadastrais (DNTPSC).



A DNTPSC é o serviço responsável pela criação e administração de um sistema de informação relativo ao uso e propriedade de bens imóveis e implementação de um sistema eficiente de gestão do património do Estado, cabendo-lhe igualmente a atribuição dos primeiros títulos de propriedade.



Paralelamente, tem vindo a ser executado o projecto-piloto Ita Nia Rai, que tem como objectivo a recolha de dados para efeitos de identificação de parcelas de terras, resolução de disputas e posterior registo dos títulos. Este projecto decorre actualmente em 6 distritos (Liquiçá, Manatuto, Aileu, Baucau, Bobonaro e Oecusse), 7 sub-distritos e 16 sucos. O processo é, contudo, lento e até Outubro de 2009 tinham sido recolhidas cerca de 4500 reclamações correspondente a cerca de 4200 parcelas de terras, das quais mais de 1400 já passaram pelo processo de publicação. As disputas cifram-se em cerca de 8%, sendo que aproximadamente 92% das parcelas apenas têm um único reclamante. Estes números parecem contrair a percepção geral de que haverá um grande número de disputas.



Os principais desafios relativos à gestão do cadastro e da propriedade em Timor-Leste são:



• Concluir e fazer aprovar o quadro legal relativo à regula-rização da propriedade da terra em Timor-Leste;



• Acelerar o levantamento cadastral sistemático, no âmbito do projecto Ita Nia Rai;



• Criar um organismo autónomo com recursos suficientes e autonomia administrativa e financeira, que garanta uma gestão eficaz do cadastro e do património do Estado, bem como do processo de regularização e disputas de terras;



• Criar uma base de dados única que incorpore a informação necessária para efeitos de cadastro, regularização e registo da propriedade e tributação do património.



2.3. Reforma e quadro legal



Timor-Leste é um Estado de direito democrático, baseado no respeito pela Constituição e pela lei e no reconhecimento do direito internacional. Desde 2002, Timor-Leste ratificou um número significativo de tratados e convenções internacionais e a produção legislativa conheceu progressos notáveis; foram aprovadas as leis básicas necessárias ao funcionamento do sistema de justiça. Porém, é reconhecido por todos que o ordenamento jurídico de Timor-Leste está longe de estar completo e necessita de ser desenvolvido, sendo também necessário criar mecanismos para monitorar a implementação das novas leis.



É de salientar que o processo legislativo timorense foi reforçado com o recurso a mecanismos de consultas públicas, com o mérito de ajudar o legislador a alinhar as suas propostas com a realidade timorense e de promover o envolvimento das populações e grupos representativos que, de outro modo, não teriam acesso a um processo que normalmente lhes é vedado.



Actualmente encontra-se em processo de elaboração e/ou aprovação um conjunto importante de leis, tais como o Código Civil, a lei da organização judiciária, a legislação relativa à regularização e registo da propriedade em Timor-Leste. Muitas outras haverá que produzir, designadamente a legislação especial que regulará a aplicação e reconhecimento do direito costumeiro em Timor-Leste e as leis relacionadas com os direi-tos da criança, entre muitas outras. As principais leis a elaborar e/ou a aprovar até 2012 estão identificadas no documento Anexo (vd. Meta 5).



Os principais desafios nesta área são:



• Concluir o quadro legal do sector da justiça, assegurando que os modelos adoptados são adequados à realidade timorense e que a análise do género é incorporada;



• Assegurar que na elaboração das leis seja, na medida do possível, utilizada uma linguagem simples, fácil de compreender;



• Assegurar que todas as leis sejam traduzidas e publicadas em Português e em Tetum;



• Desenvolver o Tetum jurídico;



• Treinar um corpo de assessores jurídicos nacionais, aptos a desempenhar funções de redacção legislativa, que possam progressivamente substituir os seus colegas internacio-nais;



• Assegurar a harmonização legislativa e proceder à revisão das leis, consoante as necessidades.



2.4. Desenvolvimento de Recursos Humanos



Embora as capacidades humanas do sector de justiça tenham vindo a melhorar significativamente, o sector ainda depende do pessoal internacional para desempenhar muitas das funções principais. Apesar de ser inegável a importância deste apoio para o funcionamento e o desenvolvimento do sistema de justiça, a verdade é que a transferência de competências para os timorenses tem sido mais lenta do que seria desejável. Isto deve-se, por um lado, à necessidade de garantir a execução das funções judiciais de modo a que os profissionais nacionais possam dedicar-se à formação técnica e, por outro, à falta de mecanismos integrados e transparentes no recrutamento e avaliação do pessoal internacional .



Por outro lado, apesar de a Constituição definir o Tétum e o Português como as línguas oficiais de Timor-Leste, a verdade é que o Português tem desempenhado um papel dominante no sistema de justiça. Isto é o inverso do que acontece na socie-dade em geral em que apenas uma minoria da população fala português e mais de 80% fala Tetum. O domínio do Português no sector da Justiça reflecte não só o reconhecimento das instituições nacionais que adoptaram a língua como o meio oficial de comunicação, como também o volume de assistência recebida dos países de língua portuguesa, nomeadamente nas áreas da redacção legislativa, Centro de Formação Jurídica e instituições judiciárias .



Embora a capacidade em termos de língua portuguesa tenha crescido significativamente nos últimos tempos, o facto é que nem todo o pessoal do sector da justiça tem conhecimentos suficientes de Português e as oportunidades para quem fala apenas Tétum são, obviamente, mais reduzidas, visto que a maioria das leis, materiais de formação e formadores são portu-gueses. A questão da língua permanece assim, um desafio, que poderá ser abordado de duas maneiras: por um lado, desenvolver o Tetum jurídico suficientemente para que possa ser utilizado no sistema de justiça, tal como o Português; por outro lado, desenvolver uma campanha de educação em língua portuguesa, para crianças e adultos, de modo a transformar Timor-Leste numa mais genuína sociedade bilingue .



É necessário também criar uma cultura de serviço público, baseada em valores éticos, no profissionalismo e responsabili-dade de todos os actores do sistema de justiça; garantir uma certa estabilidade e continuidade do pessoal, nacional e internacional, para que a memória institucional não se perca; e desenvolver políticas de recursos humanos com a finalidade de atrair e reter profissionais competentes, em particular nos distritos. Tais políticas devem basear-se em princípios como salários justos (foi recentemente aprovado o novo estatuto salarial dos juízes, procuradores e defensores), oportunidade de desenvolvimento e progressão na carreira e recrutamento com base na qualificação e no mérito.



O Centro de Formação Jurídica (CFJ) foi fundamental na pre-paração do mínimo de actores judiciais necessários para permitir que as instituições do sector funcionassem: assegurou até à data formação certificada para 11 defensores públicos, 13 procu-radores e 13 juízes; mais 12 formandos estão actualmente a receber formação. O CFJ deu também formação a funcionários de justiça, tradutores e intérpretes e redacção legislativa. A formação destinada a notários e conservadores e advogados privados será iniciada em breve. No entanto, é necessário refor-çar o número de actores judiciários para ocuparem as posições das instituições judiciárias que falta implementar e para atender à expansão geográfica dos serviços. Paralelamente, é preciso continuar a apostar no desenvolvimento de programas de formação estruturados e na formação contínua especializada dos vários profissionais da justiça, assegurando critérios de qualidade para o ensino do Direito também nas Universidades.



Em matéria de desenvolvimento de recursos humanos, os principais desafios são:



• Definir um Plano de Desenvolvimento dos Recursos Humanos para o sector, tendo por base a formação minis-trada pelo CFJ e as necessidades de mão-de-obra qualifi-cada com as competências determinadas pelas instituições do sector;



• Melhorar a eficácia das estratégias de desenvolvimento de capacidades, incluindo formas de assegurar a transferência de competências dos actores internacional para os seus homólogos nacionais e encourajar os actores internacio-nais a aprender Tetum;



• Estabelecer um sistema de ensino do Direito e de formação jurídica capaz de produzir os recursos humanos neces-sários para o sector, de elevado nível, nomeadamente através da acreditação de outras universidades, para além da UNTL, com base em padrões nacionais do ensino do Direito;



• Reforçar o ensino do Português ao nível primário, secun-dário e universitário;



• Reforçar a capacidade e autonomia do Centro de Formação Jurídica como organismo de excelência da formação inicial e contínua de profissionais do sector da justiça;



• Melhorar os conteúdos programáticos dos cursos, por exemplo, incluindo formação em matérias ético-profissio-nais;



• Complementar a formação recebida no CFJ com programas e estágios de formação oferecidos noutros países, como forma de conhecer o funcionamento de sistemas de justiça consolidados, trocar experiências e recolher boas práticas;



• Desenvolver, no âmbito do CFJ, um Centro de Estudos e Pesquisa, tendo em vista a recolha e análise das decisões judiciais, o desenvolvimento da doutrina jurídica, tratados, códigos anotados e publicações legais, para além de uma Biblioteca Jurídica;



• Desenvolver políticas de pessoal necessárias para atrair e reter profissionais mais qualificados e para minimizar o abandono antecipado dos cursos de formação, em especial pelas mulheres;



• Desenvolver uma Cultura de Serviço Público, a ética profissional e a responsibilização e uma atitude de tolerân-cia-zero face à corrupção, designadamente através da imple-mentação e melhoria dos órgãos com poderes de inspecção e disciplinares;



• Aumentar o número de operadores judiciários (juízes, procuradores, defensores, advogados, oficiais de justiça), de forma a assegurar a expansão do sistema de justiça;



• Recrutar e formar pessoal de apoio administrativo de for-ma a libertar os actores judiciários de tais tarefas.



2.5. Infra-estruturas e Tecnologias de Informação



O esforço para aumentar a capacitação e operacionalidade das instituições judiciárias e a expansão do sistema de justiça nos distritos requer, naturalmente, investimento em infra-estruturas, equipamentos e tecnologias de informação adequadas. A distância das comunidades rurais, as dificuldades de comu-nicação e transporte e as carências de natureza financeira, limitam o acesso dos cidadãos aos serviços de justiça e tornam o desenvolvimento de infra-estruturas a nível distrital um desafio ainda maior.



Nos últimos anos o investimento no sector da Justiça cresceu consideravelmente. Foram reabilitadas as Prisões de Becora e Gleno, construídas casas para os guardas prisionais, reabilita-dos os edifícios dos Tribunais e residências para Juízes e cons-truídos os edifícios distritais da Defensoria Pública e da PGR em Baucau, Suai e Oecusse; está em curso a construção de residências para defensores e procuradores nos três distritos. Foi também implementado o projecto internet/intranet do Sector da Justiça e está em fase de finalização a informatização da emissão do bilhete de identidade e das certidões de registo.



Existe, porém, uma possibilidade de ocorrência de cortes orçamentais em 2010, o que reforça a necessidade de melhorar o planeamento e a utilização dos recursos disponíveis, promo-ver a partilha de instalações e meios multiuso e criar soluções alternativas de prestação de serviços.



Assim, os principais desafios no que respeita a infra-estruturas e tecnologias de informação e comunicação (TIC) são:



• Melhorar a coordenação entre as instituições do sector na disponibilização de infra-estruturas, incluindo meios multiuso;



• Desenvolver as infra-estruturas, a comunicação e o apoio logístico requeridos pelas instituições do sector para desempenharem as funções que lhe foram atribuídos, em particular nos distritos, assegurando espaços de trabalho e residências adequados para os juízes, procuradores, defensores e oficiais de justiça, salas para guardar as provas, e salas separadas para testemunhas, vítimas e suspeitos;



• Dar resposta às dificuldades relativas ao transporte e lon-gas distâncias entre as instituições e o público;



• Desconcentrar os serviços de TIC, estabelecendo unidades de TIC em cada instituição de justiça e/ou em cada distrito, para garantir um apoio mais eficaz;



• Estabelecer sistemas eficazes de gestão de casos com base nas necessidades ao nível de funcionamento dos Tribu-nais, DP e PGR/Polícia, com as ligações necessárias;



• Aumentar a disponibilização de informação estatística sobre o sector da justiça.



2.6. Acesso à Justiça



O conhecimento do público sobre as instituições de justiça permanece baixo . O nível educacional das populações e as atitudes conservadoras das comunidades influenciam ou condicionam o acesso à justiça por parte de grupos vulneráveis. As mulheres e as jovens sentem, muitas vezes, dificuldade em denunciar crimes. Está actualmente em discussão uma abordagem integrada de prevenção e tratamento do crime em alguns locais (ex.: Suai), que tem em conta as atitudes da comunidade e as desigualdades (em especial baseadas no género), e reúne todas as instituições de justiça (incluindo a polícia), a sociedade civil e os grupos comunitários.



Os mecanismos de justiça costumeiros são, muitas vezes, a única via acessível de justiça para a maioria das pessoas, mas a falta de regulamentação constitui um risco grande destas práticas poderem contrariar as leis e os direitos humanos , em especial os direitos das mulheres e das crianças. Estão a ser desenvolvidas consultas, a nível nacional, para a elaboração da lei costumeira/justiça comunitária e lei de mediação.



Um sistema de justiça não pode ser considerado bem sucedido enquanto não disponibilizar justiça a todos os cidadãos que dela precisem, através de mecanismos de resolução de conflitos e protecção de direitos credíveis, transparentes, eficazes e sustentáveis, incluindo a punição de crimes e a compensação das vítimas.



É preciso, pois, continuar a implementar, de forma mais eficaz, as campanhas de sensibilização e de informação sobre leis e direitos dos cidadãos, para que a população compreenda e exija a protecção dos seus direitos.



Os desafios principais no que respeita à melhoria do acesso à justiça são:



• Criar mais distritos judiciais e outros serviços de justiça a nível distrital, com ligações eficazes com a polícia e hos-pitais para facilitar a denúncia e acusação de crimes;



• Estabelecer sistemas móveis de justiça nos distritos e em comunidades mais pequenas, onde as instituições de justi-ça não existem e onde o desenvolvimento de infra-estrutu-ras específicas da justiça de uma forma permanente não seja economicamente viável;



• Assegurar que a consciencialização do género e a sensibilização pelos direitos das crianças estão incorpora-das nos programas e actividades do sector da justiça;



• Aumentar o nível de conhecimento do público relativo às leis e direitos e aos mecanismos disponíveis para fazer cumprir os direitos, em particular entre as mulheres e as jovens;



• Aumentar a capacidade das instituições do sector para disponibilizarem os serviços e tratarem, de forma célere eficaz, os casos judiciais, com vista a aumentar a confiança pública no sistema de justiça e reduzir a percepção de impunidade;



• Criar mecanismos que ajudem a superar a barreira da língua de modo a promover a melhoria do acesso à justiça por parte dos cidadãos e facilitar o trabalho dos profissionais do foro, designadamente na condução das investigações e processos-crime;



• Assegurar o reconhecimento dos usos e costumes locais/sistemas tradicionais de justiça, através de regulamen-tação apropriada, de modo a aumentar a sua conformidade com a Constituição, os direitos humanos e as leis;

• Criar outros meios alternativos não-jurisdicionais de resolução de conflitos, como por exemplo, a mediação e a arbitragem;



• Estabelecer um sistema integrado e eficaz de assistência jurídica e apoio judiciário, especialmente para os mais desfavorecidos e vulneráveis, sobretudo através do reforço do papel da Defensoria Pública e da implementação de meios de protecção de testemunhas e pessoas em perigo (ex. ocultação identidade, casas de abrigo), isenção de custas e emolumentos, pagamento de despesas com deslocações, etc.



CAPÍTULO 3. VISÃO E DIRECÇÃO ESTRATÉGICA



3.1. Uma Visão para a Justiça. Missão e Valores.



O desenvolvimento do sistema de justiça de Timor-Leste deve refletir as aspirações do povo timorense e implica a coordenação entre os órgãos do sector da justiça, a partir de uma visão comum do que deve ser e como deve funcionar a Justiça ou, por outras palavras, uma visão partilhada de 'para onde queremos ir' e 'como vamos lá chegar'.



A ideia estratégica por detrás do desenvolvimento do sector é a de que:



a) O sector é constituído por instituições independentes com uma visão comum;



b) Estas instituições pretendem cooperar e coordenar-se para melhorar o seu desempenho;



c) E assim garantir o direito constitucional do acesso à justiça por todos os cidadãos.



Uma visão para a justiça, assim como a missão do sector da justiça e os respectivos valores, são, pois, necessariamente retirados dos princípios Constitucionais e de outros valores extraídos da política definida pelo Governo, incluídos em documentos como "Timor-Leste em 2020 - A nossa Nação, o nosso Futuro" (ou Visão 2020). Neste documento, preparado imediatamente antes da independência por Sua Excelência Ray Kala Xanana Gusmão, e sujeito a uma alargada consulta pública nacional, foi definida a visão de ''uma nação que aplica com justiça o primado da lei e gere a economia e as finanças de forma eficiente e transparente".



A Constituição é a fonte mais importante de inspiração dado que incorpora os princípios fundamentais sobre direitos humanos e sistema de Justiça. Princípios como o da separação dos poderes legislativo, executivo e judicial, da subordinação do Estado à Constituição e à lei ou da independência dos tribunais , norteiam o funcionamento do Estado de direito democrático e do sistema de justiça de Timor-Leste (vd. quadro Valores e Princípios da Justiça).



O acesso à justiça é outro dos valores centrais do sistema de justiça de Timor-Leste. O conceito, tal como está definido na Constituição , significa que a todos os cidadãos é assegurado o acesso à justiça para defesa dos seus direitos, não podendo ser denegada justiça por insuficiência de meios económicos. Este conceito pode ser olhado de dois prismas: por um lado, a disponibilidade dos serviços de justiça para assegurarem a defesa dos direitos dos cidadãos de forma célere, eficaz e justa e, por outro lado, a compreensão e a confiança no sistema por parte das populações. Nesta óptica, o sistema de justiça é mais extenso do que as suas próprias instituições, estendendo-se à sociedade civil e aos líderes comunitários.



Assim, podemos definir acesso à justiça como o direito dos indíviduos e grupos de obterem uma resposta célere, efectiva e justa para protegerem os seus direitos, prevenirem ou resolverem conflitos e controlarem o abuso de poder, através de um processo transparente e eficiente, com mecanismos acessíveis, económicos e responsáveis. Estes mecanismos podem encontrar-se no sistema de justiça formal, nos proces-sos costumeiros ou em processos alternativos de resolução extra-judicial de disputas. Em Timor-Leste, por uma série de razões, muitos timorenses recorrem à justiça dentro da sua comunidade. Cada cidadão tem o direito de ter acesso à justiça e o Estado tem a obrigação de assegurar o exercício desse direito, mas assegurando também o equilíbrio entre o respeito pelos usos e costumes locais e a protecção dos direitos fundamentais do indivíduo. O acesso à informação é, pois, um pré-requisito para que as pessoas possam conhecer os seus direitos e obrigações à luz da lei, e possam optar, em consciência, pelo mecanismo que julgarem mais apropriado para defender os seus direitos. Se escolherem o sistema formal de justiça ou estiverem no domínio de crimes públicos que só possam ser resolvidos através do Estado, então o Estado tem obrigação de providenciar apoio e assistência jurídica adequados.



Apesar de as prioridades do Governo mudarem ao longo do tempo e entre Governos, a coordenação e o desenvolvimento do sector precisam de desenrolar-se com base numa visão e missão claras e numa plataforma de valores comuns. A visão definida e partilhada pelas principais instituições do sector da Justiça baseia-se fortemente na Constituição e os valores visados refletem o tipo de sociedade aí preconizada:



Acesso à Justiça por todas as Pessoas,

com base no respeito pelos Direitos Humanos e pelo Estado de Direito.



Foi referido que o sector da Justiça é constituído por instituições independentes, cuja missão corresponde à definição dos respectivos mandatos, claramente definidos na Constituição e nas leis. Contudo, e na medida em que o presente plano estratégico diz respeito ao sector da justiça, considerado na sua globalidade, entende-se útil definir a missão do sector da justiça, como sendo a de:



Administrar a Justiça de uma forma eficaz, eficiente, acessível e que mereça a confiança dos cidadãos.



A visão e a missão projectam-se e concretizam-se através de valores e princípios que podem ser identificados a partir da Constituição da RDTL e da Declaração Universal dos Direitos Humanos, reconhecidos pela Constituição . No quadro seguinte são apresentados os principais valores e princípios da Justiça.





Valores e Princípios da Justiça



1. Soberania, Constitucionalidade e Estado de Direito Democrático

1.1. Hierarquia das leis

A Constituição é a lei fundamental do ordenamento jurídico; todas as outras leis, decreto-leis e regulamentos decorrem da Constituição e, em caso de conflito, prevalece a lei de maior valor.

1.2. Supremacia da lei e subordinação do Estado à Constituição e à lei

A lei é a mais alta autoridade na sociedade e o Estado e os cidadãos estão subordinados à Constituição e à lei; os actos do Estado só são válidos se estiverem conformes à Constituição e à lei.

1.3. Adopção dos Princípios de Direito Internacional

Incluindo os princípios que dizem respeito à dignidade da pessoa humana e à salvaguarda dos Direitos Humanos e das Crianças.

1.4. Separação de poderes (legislativo, executivo e judicial)

Os orgãos de soberania previstos na Constituição exercem as suas funções de forma independente e nenhum órgão pode influenciar o exercício das funções de outro.

1.5. Vontade e Participação Popular no Governo do País

Traduz-se no direito dos cidadãos de elegerem os seus representantes, por sufrágio directo e universal, garantindo assim a sua participação na vida política e pública do País.



2. Sistema de Justiça

2.1. Independência dos Tribunais e da magistratura

Os Tribunais e os juízes são independentes e estão sujeitos apenas à Constituição e à lei.

2.2.Reconhecimento e valorização das normas e usos costumeiros de Timor-Leste

Os usos e costumes timorenses são reconhecidos, desde que não contrariem a Constituição e os direitos humanos e mediante legislação que regule os seus limites.

2.3. Processo justo e equitativo

Os princípios da presunção da inocência em processo penal , a independência dos tribunais e o direito de recurso são garantias legais que asseguram a condução do processo judicial de uma forma justa, eficaz e célere (conclusão dentro de um prazo razoável).





Valores e Princípios da Justiça (cont.)



2.4. Responsabilização

As instituições da Justiça e os seus membros individuais são responsáveis pelos seus actos e pelo uso dos recursos públicos do Estado; a transparência dos actos administrativos e o acesso à informação são pré-requisitos para a efectivação da responsabilização dos poderes públicos. O combate às práticas ilegais e à corrupção estão assegurados por lei e são exercidos pelos órgãos próprios estabelecidos na Constituição e na lei.

2.5. Princípios da descentralização e da aproximação dos serviços aos cidadãos

O Estado, na sua organização, deve promover a descentraliza-ção dos serviços e aproximar os serviços dos cidadãos como forma de facilitar o acesso aos mesmos.



3. Direitos, Liberdades e Garantias Individuais

3.1. Igualdade dos cidadãos perante a lei e Princípio da Não-discriminação

Todos os cidadãos são iguais perante a lei e gozam dos mesmos direitos e deveres, e ninguém pode ser discriminado com base na raça, sexo, estado civil, origem étnica, língua, posição social ou situação económica, convicções políticas ou religiosas, instrução ou condição física ou mental.

3.2. Acesso à Justiça

A todos os cidadãos é garantido o acesso à justiça e a Justiça não pode ser denegada por insuficiência de meios económicos.

3.3. Direito à Assistência Jurídica

Todos os cidadãos têm direito a receber apoio e assistência jurídica na resolução de disputas e na defesa dos seus direitos e interesses legítimos, assegurada pelos advogados e defensores.

3.4. Acesso à Informação e participação dos interessados

É obrigatória a publicitação das leis e das decisões legais de uma forma que possibilite a todas as pessoas terem conhecimento das leis e dos seus direitos. É assegurada a participação dos interessados na administração do Estado, nomeadamente contra actos que lesem os seus direitos e interesses legítimos.

3.5. Direito à propriedade privada

O direito à propriedade privada é assegurado aos cidadãos nacionais e só pode ser restringido mediante pagamento de justa indemnização.





3.2. Metas para o sector da Justiça



Partindo da visão, da missão e dos valores que estabelecem o enquadramento 'para onde queremos ir', são identificadas, as metas principais a alcançar no curto, médio e longo prazo que se traduzem em 'como vamos lá chegar'. Estas metas estão agrupadas de acordo com as cinco áreas temáticas previamente definidas.



As estratégias para implementar cada uma das 14 metas definidas estão descritas no quadro em Anexo. Nesse quadro pretende-se fazer a ligação entre as metas, as estratégias, os objectivos e os prazos indicativos para a sua concretização, bem como as actividades principais a executar pelas institui-ções responsáveis com a colaboração dos principais parceiros. Aí são também definidos indicadores-chave de desempenho para cada uma das actividades.



3.3. Estratégia de implementação



A implementação da ideia estratégica do sector da justiça - entendido como o sistema constituído por instituições independentes com uma visão comum do sector que cooperam e se coordenam entre si para melhorar o desempenho - requer o envolvimento não só das instituições do sector da justiça, mas também de outros actores não estatais do sistema de justiça, incluindo o cidadão.



É importante ter em consideração que as instituições de justiça são órgãos total ou parcialmente autónomos, com os seus próprios procedimentos de planeamento e orçamentação, que integram o processo mais vasto de planeamento e elaboração do Orçamento do Estado. Ao Ministério da Justiça, enquanto órgão do Governo com responsabilidades na definição e execução das políticas do sector, cabe assegurar a necessária coordenação entre as instituições do sector. Desta forma, os mecanismos e actividades de coordenação devem ser planeados e orçamentados no âmbito do Ministério. Por outro lado, tendo em conta a autonomia das instituições da justiça, não pode ser aplicada uma abordagem de implementação do topo para a base ('top-down'), tornando-se necessário criar mecanismos que assegurem a ligação transversal entre todas as instituições e partes interessadas envolvidas no sistema de justiça.



Assim, com a finalidade de ajudar no processo de planeamento e na implementação do Plano Estratégico para o Sector da Justiça, e ir ao encontro da visão definida, prevêem-se criar, para além do Conselho de Coordenação que já existe, mais duas estruturas de planeamento e diálogo. A estratégia de implementação baseia-se, pois, nas seguintes estruturas:



a) Conselho de Coordenação (CC), que é o órgão consultivo do Ministério para os assuntos da Justiça, composto pelo Ministro da Justiça, que preside, o Presidente do Tribunal de Recurso e o Procurador-Geral da República. Ao CC caberá dar orientação estratégica para o processo de planeamento e supervisionar a implementação do Plano Estratégico para o Sector da Justiça; o CC decidirá sobre as principais metas a atingir com base nas políticas e priori-dades definidas pelo Governo e definirá os indicadores de acesso à justiça. Prevê-se o alargamento formal do Conselho de Coordenação a outras instituições relevantes da justiça (Defensores Públicos, que já participam informalmente, Advogados Privados e Polícia);

b) Secretariado de Planeamento (SP), que reunirá representantes das várias instituições da justiça, e funcionará como estrutura de apoio ao Conselho de Coordenação para ajudar no desenvolvimento dos trabalhos de planeamento e na implementação e monitorização do Plano Estratégico;



c) Forúm de Diálogo sobre a Justiça, como grupo de consulta do CC, com quem este poderá dialogar e auscultar opiniões sobre as questões que se prendem com o acesso à justiça e com a realização da visão da justiça. O Forúm reunirá semestralmente, mediante convocação do Ministro da Justiça e, extraordinariamente, sempre que convocado pelo MJ, por exemplo, para participar no processo de planeamento. O Forúm reunirá representantes de todas as partes interessadas do sistema de justiça, nomeadamente sociedade civil e comunidade internacional. O Forúm poderá submeter recomendações ao Conselho de Coordenação, cabendo-lhe ainda monitorizar o acesso à justiça com base em relatórios periódicos e nos indicadores-chave definidos no presente documento.



Estratégia de implementação



Tendo em vista apoiar o processo de planeamento do sector da Justiça e a implementação do Plano Estratégico, será desenvolvido o Mapa do Sector da Justiça que fornecerá uma perspectiva geográfica da distribuição das instituições do sector em todo o território de Timor-Leste e os seus desenvolvimentos propostos ao longo do tempo. A expansão geográfica do sector da Justiça deverá efectuar-se de forma equilibrada, atendendo às necessidades de acesso dos cidadãos, mas também à viabilidade económica das soluções.



Este mapa servirá de base para a concepção, desenvolvimento, implementação e gestão de qualquer projecto de base geográfica. Assim, para além das estruturas (de carácter permanente) acima referidas, e das estruturas de direcção e chefia que, a nível operacional e em cada instituição, são responsáveis pela gestão do trabalho e pela implementação de planos operacionais, poderão ser criadas, sempre que for necessário, e por decisão do CC, estruturas de gestão de projectos (de carácter temporário). Estas estruturas ou equipas de projecto destinam-se a facilitar a gestão e concretização de projectos de carácter transversal que envolvam várias instituições do sector (ex. projecto de criação do 'palácio de justiça' num determinado distrito), serão responsáveis pela preparação dos planos e orçamentos relativos ao projecto e constituídas por representantes das instituições relevantes.



A estrutura de implementação do Plano Estratégico pode ser representada da seguinte forma: