REPÚBLICA DEMOCRÁTICA DE TIMOR-LESTE

                                                               RESOLUÇÃO DO PARLAMENTO

 

                                                                                 6/2007

LOCALIZAÇÃO E CAPTURA DO CIDADÃO ALFREDO ALVES REINADO

No exercício das suas competências de fiscalização e controlo da acção governativa e dos poderes públicos, o Parlamento Nacional tem vindo a acompanhar o desenvolvimento das medidas tendentes a repor a ordem pública, prevenir a prática de crimes violentos e perseguir judicialmente os seus autores, colaborando com as restantes instituições do Estado no sentido de minorar a insegurança e instabilidade social que se instalou no País, com particular gravidade em Díli, na sequência da crise político-militar de Abril e Maio de 2006.

Atenta a separação de poderes que caracteriza o sistema político e constitucional timorense, o Parlamento Nacional está impedido de interferir no poder judicial, ao qual compete, soberanamente, administrar a justiça penal. Não pode, pela mesma ordem de razões, emitir directrizes que orientem a actuação do Ministério Público, que exerce a acção penal, relativamente às suas competências em matéria de investigação e repressão criminal.

Acontece, porém, que, por falta de meios e autoridades policiais que coadjuvassem directamente os órgãos de investigação criminal e os tribunais no desempenho das suas incumbências, muitas decisões destes não vinham sendo executadas com a prontidão e a eficácia desejáveis, o que não era de molde a diminuir o patente clima de impunidade e criminalidade.

Um dos factores que explicam tal incapacidade radica no desmantelamento da Polícia Nacional de Timor-Leste (PNTL), que se tornou inoperante e incapaz de desempenhar cabalmente a sua obrigação de zelar pela segurança de pessoas e bens. Apesar dos esforços desenvolvidos pelo Governo para reabilitar e reorganizar a instituição, os agentes policiais em efectividade de funções, para além de ainda carecerem de formação profissional acrescida e de qualidade, são em número insuficiente para satisfazer as necessidades básicas de combate à criminalidade.

É exactamente por essa razão que o Estado de Timor-Leste aceitou que a tarefa de garantir a segurança interna, que em princípio lhe caberia exclusivamente, fosse confiada, excepcionalmente, às forças internacionais entretanto estacionadas no território, embora sob a supervisão do Governo e em cooperação com as autoridades nacionais, com base em acordos bilaterais e multilaterais entretanto estabelecidos com as nações e organizações que se disponibilizaram a prestar a ajuda solicitada.

O mesmo motivo determinou também que, no contexto da nova missão da Organização das Nações Unidas (ONU) em Timor-Leste, o Conselho de Segurança desta organização tenha deliberado reforçar a componente policial da missão, estando previsto para breve o reforço do contingente com mais polícias internacionais.

Um dos cidadãos timorenses indiciados pela prática de crimes contra a vida e de outro tipo, cometidos na sequência dos acontecimentos que estiveram na base da mencionada crise político-militar, é o cidadão Alfredo Alves Reinado, à data dos factos oficial da Polícia Militar, que desertou das suas fileiras. Suspeito de ter perpetrado condutas criminosas puníveis com penas privativas da liberdade à luz da lei penal aplicável, Alfredo Alves Reinado foi alvo de inquérito criminal e consequente investigação e, tendo sido detido em Julho de 2006, ficou preso preventivamente no Estabelecimento Prisional de Becora.

Alfredo Alves Reinado veio, porém, a escapar da prisão pouco tempo depois, mantendo-se foragido desde essa altura.

O Parlamento Nacional, desconhecendo embora os trâmites processuais do caso, imagina, com razoável certeza, que o juiz de instrução criminal competente terá validado a detenção do suspeito e ordenado a sua prisão preventiva por entender verificarem-se os pressupostos dessa medida de coacção, designadamente a gravidade dos crimes imputados e o fundado receio de fuga ou perturbação da investigação ou o fundado perigo de continuação da actividade criminosa ou de perturbação da ordem e tranquilidade públicas (nos termos conjugados dos artigos 183.o e 194.o do Código de Processo Penal).

Após a fuga da cadeia, mais se terão densificado os requisitos da prisão preventiva, razão pela qual terá sido emitido mandado de detenção do suspeito, decerto já constituído na qualidade de arguido (artigo 59.o, n.o 2, do Código de Processo Penal), com o intuito de o devolver à reclusão ou lhe aplicar, em substituição, outra medida coactiva, sem prejuízo, naturalmente, do sagrado princípio da presunção de inocência até trânsito em julgado de decisão condenatória (artigo 34.o, n.o 1, da Constituição).

Como é conhecido, o mandado de detenção em causa não foi revogado e mantém-se válido, devendo, pois, ser executado.

Há ainda notícia, amplamente divulgada e confirmada, de que o cidadão Alfredo Alves Reinado terá já sido visto exibindo armas letais, ilegalmente na sua posse, e terá assaltado, há escassos dias, duas esquadras da polícia, apoderando-se de várias armas de fogo confiadas aos respectivos agentes. Esta ocorrência faz consolidar ainda mais a percepção do Parlamento Nacional, que tem vindo a ganhar corpo de dia para dia, de que Alfredo Alves Reinado perdeu completamente o respeito pelo sistema democrático, legitimado pelo povo, e não tem quaisquer escrúpulos em ir coleccionando material bélico, numa atitude de despudorada afronta aos poderes públicos.

Antes disso, o cidadão Alfredo Alves Reinado, como tem vindo a ser veiculado pelos órgãos de comunicação social, proferiu repetidamente diversas declarações, mais ou menos bombásticas, pondo em causa a autoridade do Estado e a legitimidade das suas instituições democráticas e incitando à resistência armada, afirmando ainda pretender repelir pela força qualquer tentativa que seja feita para o deterem.

Os factos descritos constituem, inegavelmente, ameaça séria à independência e integridade territorial do Estado e à vida e integridade física dos cidadãos, com que os órgãos de soberania não podem continuar a pactuar. Pelo contrário, o Estado está obrigado a defender a soberania do País, garantir os direitos e liberdades fundamentais dos cidadãos e promover o respeito pelos princípios inerentes ao regime democrático (artigos 6.o, alíneas a), b) e c), e 49.o, n.o 1, da Constituição).

As ameaças que têm vindo a ser proferidas prefiguram mesmo a predisposição do cidadão Alfredo Alves Reinado para, se preciso for, cometer crimes, de diversa índole, contra o próprio Estado, na medida em que se evade da prisão, insiste em resistir e desobedecer à autoridade pública, põe em perigo a independência do País, tenta subverter o sistema jurídico-político estabelecido, incita à alteração violenta da ordem constitucional e ofende titulares de cargos políticos.

Têm, pois, os órgãos de soberania o dever, constitucional e legal, de tomar, com urgência, as providências adequadas a fazer executar o mandado judicial de detenção oportunamente emitido, tanto mais que Alfredo Alves Reinado tem já na sua posse, ao que se sabe, um considerável arsenal de amas e munições, persistindo, apesar dos constantes apelos a que se entregue às autoridades, em continuar a fugir à justiça.

Em situação de normal funcionamento das instituições, devidamente fortalecidas, do Estado, a mera execução de mandado judicial de captura competiria directamente aos órgãos competentes para a investigação e condução dos inquéritos criminais – a magistratura do Ministério Público e a polícia, actuando esta na dependência funcional daquela – ou para o cumprimento de ordens judiciais - em regra a polícia nacional - sem necessidade de intervenção do Presidente da República, do Parlamento Nacional ou sequer do Governo, por estarmos no âmbito de um domínio que compete exclusivamente à PNTL e à máquina judiciária estatal (artigos 118.o, 119.o, 132.o e 147.o da Constituição e 7.o, 8.o e 52.o do Código de Processo Penal).

Sucede que, como se viu, os agentes da PNTL não têm condições para executar medidas de coacção mais delicadas que exijam o uso da força autorizadas pelos tribunais ou pelo Ministério Público, o que justifica que os contingentes de tropas e polícias internacionais desempenhem esse papel em substituição dos seus congéneres nacionais, ainda que com a sua colaboração.

Relembra o Parlamento Nacional que se aproxima a data marcada para a primeira eleição geral de titular de órgão de soberania que irá ocorrer após o reconhecimento internacional, em 20 de Maio de 2002, do Estado de Timor-Leste.

Para que, como manda a Constituição e a concernente lei eleitoral, o sufrágio seja verdadeiramente livre e secreto e decorra de forma serena e tranquila, é necessário pôr cobro à escalada de violência que se tem vindo a fazer sentir, para o que muito contribuirá a perseguição judicial daqueles que, como o cidadão Alfredo Alves Reinado, revelam desavergonhados instintos criminosos e teimam em não acatar a autoridade do Estado. O acto eleitoral não decorrerá de forma pacífica e ordeira se persistir a atmosfera de medo que se criou e pairar sobre os eleitores o espectro de uma possível onda de violência que afecte a afluência às urnas.

A mensagem televisiva transmitida à nação por Sua Excelência o Presidente da República, no passado dia 26 de Fevereiro, deixou antever o consentimento tácito à captura de Alfredo Alves Reinado, autorizando-se as Forças de Estabilização Internacionais, como agora são conhecidas, a intervir nesse sentido, muito embora se reconheça que, de certo modo, estas estão já investidas, pela própria natureza da missão que foram chamadas a prestar, a deter e apresentar às autoridades competentes os suspeitos da prática de factos que configurem crimes puníveis com prisão.

O Conselho Superior de Defesa e Segurança, órgão de natureza consultiva do Presidente da República, reuniu já para tratar do caso do cidadão Alfredo Alves Reinado, tendo aparentemente os representantes dos órgãos de soberania que nele tomam assento manifestado a sua anuência a tal posição do Chefe do Estado, que, além do mais, é também Comandante Supremo das Forças Armadas (artigos 74.o, n.o 2, e 148.o, n.o 1, da Constituição).

A posição dos conselheiros membros do citado órgão consultivo não pode, todavia, ser divulgada publicamente, uma vez que estão sujeitos ao dever de sigilo quanto ao que se passe no seu seio (artigo 6.o, n.o 2, da Lei do Conselho Superior de Defesa e Segurança).

Num quadro institucional não ferido da anomalia acima descrita, o Parlamento Nacional não disporia de competência própria para conferir legitimidade à intervenção de uma força policial ou militar no sentido de deter um cidadão, porque tal matéria é da exclusiva jurisdição das autoridades judiciárias ou, quando muito, tratando-se apenas de assegurar a ordem pública, do Governo (artigos 115.o, n.o 1, alínea c), e 118.o da Constituição).

Importa, todavia, que o Parlamento Nacional clarifique, a título institucional, a sua posição sobre o assunto, conhecida que é a opinião do Presidente da República e o apelo que, em conformidade com ela, teve já oportunidade de difundir, com o beneplácito do Governo.

E, na medida em que o Parlamento Nacional é órgão colegial, impõe-se que ratifique, em Plenário, a eventual posição tomada pelos seus representantes no referido conselho, como meio de reforçar a deliberação tomada, ao mais alto nível, nessa instância consultiva e legitimar imediatamente, corroborando a decisão presidencial, a intervenção das forças internacionais no sentido de detectar e capturar Alfredo Alves Reinado, em cumprimento da ordem de detenção dimanada do órgão competente do poder judicial.

Assim sendo, a presente resolução é ditada pelo dever de o órgão parlamentar representativo dos cidadãos manifestar a sua posição no âmbito das responsabilidades tripartidas assumidas pelos órgãos de soberania electivos e pelo Governo em matéria de segurança interna face ao melindroso quadro de crise política e instabilidade social que os forçou a recorrer, a título subsidiário e complementar, a compromissos com a comunidade internacional.

É ainda fruto da vontade indomável do Parlamento Nacional de emprestar a sua solidariedade a uma decisão que reputa de indispensável como forma de salvaguardar a unidade nacional e a integridade territorial do Estado, manter a ordem e a tranquilidade públicas e fazer cumprir a Constituição e as leis em vigor.

Ainda que não tivesse de decidir, o Parlamento Nacional, quanto mais não fosse por razões de cooperação institucional, sempre daria o seu consentimento a uma intervenção internacional em questão tão vital para a vida do País, que visa evitar o perigo que representa para o Estado de Direito Democrático a ameaça interna com que nos defrontamos.

Pelo exposto, o Parlamento Nacional, no uso dos seus poderes de fiscalização e decisão política previstos no artigo 92.o da Constituição da República Democrática de Timor-Leste e considerando os termos dos acordos e entendimentos celebrados pelos Estado com as forças policiais e militares internacionais, resolve:

“Expressar a sua concordância expressa com a decisão do Sr. Presidente da República de autorizar as Forças de Estabilização Internacionais estacionadas em Timor-Leste, sob coordenação dos respectivos comandos operacionais e supervisão das autoridades nacionais, a proceder à imediata localização e captura do cidadão Alfredo Alves Reinado, entregando-o às autoridades judiciárias competentes, no cumprimento do mandado judicial de detenção oportunamente emitido.”


Aprovada em 13 de Março de 2007

O Presidente do Parlamento Nacional


Francisco Guterres “Lu-Olo”